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segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Tombo e recomeço


Acabo de ler Dissonantes, novo romance de Sergio Keuchgerian (Mundo Editorial, 2011). Comecei ontem. Folheei a última página hoje de manhãzinha. O que dizer quando, ao final de uma história, sentimos dentro do peito um sopro de nostalgia? Sim, a vida bem que poderia ser menos traiçoeira ou, no mínimo, mais elegante... Essa é a ideia que fica depois de devorarmos o miolo desse belo livro.

Há na escrita de Sergio Keuchgerian uma força (calculada) que só pode brotar da teimosia, do olhar treinado, do contínuo exercício de humildade (do criador que se deixa amansar pela obra). Todo autor é um voyeur de suas personagens, espião de histórias alheias que, no fundo, gostaria de ter vivido intensamente. Mas jamais será dono ou senhor absoluto de sua obra. Obras/personagens elegem os autores, não o contrário.

Dissonantes é um desses romances que, num primeiro momento, parecem antigos. Desatados do criador, contam segredos que nos são familiares – ou, no mínimo, nos encorajam a vasculhar porões e gavetas para arejar um pouco nossas próprias memórias. 

Nesse texto, Sergio Keuchgerian é apenas um olho atento no buraco da fechadura, um observador a serviço das personagens que o escolheram. Diluídos nas lembranças de Mário (o protagonista-narrador), todos nós estamos lá, do outro lado dessa porta imaginária que separa ficção e realidade. Conhecemos muito bem seus desencontros, suas decepções e aquela sensação de desamparo que surge nos dias cinzentos e frios. Como ele mesmo observa, “solidão se dá quando não encontramos mais ninguém que queira nos conhecer ou compartilhar de nossas lembranças”. Assim, ao oferecer pontos de identificação, Mário estende suas pontes em direção ao leitor, compartilhando com ele anseios, frustrações, culpas, incertezas, traições, angústias, medos...

Na capa do livro, do mesmo modo que o trilho liga e demarca a distância entre as estações, histórias comuns também nos aproximam e nos afastam uns dos outros. Essa talvez seja a sensação de nostalgia que surge depois de lermos Dissonantes. Todos nós, à medida que envelhecemos, destoamos. E é natural que isso ocorra. Deveria ser o contrário, mas, quanto maior é a nossa bagagem, menos ágeis e flexíveis nos tornamos. Mário diz: “Sinto como se estivesse me expulsando da minha própria vida”. E é verdade. Em vez de nos seduzir, agora a novidade parece que nos exclui. Em compensação, as lembranças (compartilhadas ou não) funcionam como um refúgio, um porto seguro ao qual sabemos que é possível retornar sempre que a realidade insistir em nos nocautear. Não é fuga, mas recuo estratégico. Retomado o fôlego e tratadas as feridas, voltamos ao ringue, revigorados, prontos para enfrentar mais um assalto. “Sinto a energia despertando meus sentidos”, admite o protagonista no capítulo final. “Tenho todo o tempo do mundo à disposição, mas não quero desperdiçá-lo. Deixei de acreditar em quase tudo que acreditava, mas não perdi a fé; ao contrário, creio cada vez mais na possibilidade de transformar a realidade fazendo uso das minhas próprias dúvidas.” Assim é Dissonantes: um pouco da história de cada um de nós. A versão em prosa (poética!) dos nossos tombos e eternos recomeços. Um livro sincero, elegante, impecável. Recomendo!

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