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domingo, 29 de abril de 2012

Tempo, tempo, tempo, tempo...*


Lembro que um dia, sempre muito sarcástico, meu pai me disse que, quando jovem, também não gostava de ir a cemitérios. Estava, na verdade, rebatendo um comentário que eu havia feito sobre a inutilidade de homenagear mortos, levar flores...

— Pra que perder tempo, se não existe mais nada ali? — completei.

E não há mesmo, ele concordou, acrescentando que, de fato, isso era muito besta, mania de velho ir visitar túmulos, retratos, ossos secos empilhados, enfim, um passado que não existia mais. Pensava dessa forma. Era jovem. E quando se é jovem, tempo é coisa que não passa nunca. Morrer, sentir saudades... Ah, coisa de gente velha, saudosismo inútil! O que importa é a vida! E finalizou, referindo-se ao tempo: 

— Acontece que, muito paciente, ele te aguarda lá na outra ponta. Quando a gente acorda, tudo já se foi. Daí, ficam essas lembranças enfileiradas nos corredores de pedra e cimento, esse vazio dentro e fora, essa vontade de voltar lá atrás, fazer tudo de novo, mas sem toda aquela urgência idiota de quando se é novo demais, entende, filho?

Talvez com outras palavras, foi isso que ele tentou me dizer. Talvez com outras palavras, foi isso que, ainda muito jovem e arrogante, pude entender daquilo que meu velho quis me fazer enxergar antes do meu tempo de ver as coisas do mesmo modo que ele via. Hoje, talvez com outras palavras, percebo que entendo cada vez mais o que meu pai (vejam a ironia: aposentado como relojoeiro, profissão que se perdeu justo no tempo) me ensinou sobre a velocidade das horas, o egoísmo e a presunção. Será que envelhecer é isso: ir se aproximando dessa outra ponta para, aí sim, começar a entender o real significado da saudade? Não, nem é preciso responder; estou velho, sentindo essa vontade louca de começar a visitar os meus mortos.

*Para Elcy Tavares e Rogério Tavares.