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sábado, 23 de junho de 2012

Outros olhos




   Pouco antes da virada do século passado, viajei para a Europa, mais especificamente Espanha, França e Inglaterra. No restaurante do hotel de Madri, deparei com uma conterrânea, professora de francês aposentada, que, na companhia de sua amiga inseparável, tentava fazer as pazes consigo mesma para, depois, quiçá poder resgatar a alegria perdida após o trauma inicial de um diagnóstico de melanoma (com metástases).

— Sabe, Felipe — ela me disse, depois de um longo e prazeroso gole de vinho tinto —, um dia, a gente dorme com cabeça de moça, corpo de moça, tudo de moça... mas, na manhã seguinte, acorda com cinquenta, cem anos. Numa única noite, a velhice vem, toma conta de tudo. E é aí que, de mãos dadas com ela, vem a saudade, vem a angústia, vem essa vontade imensa de ter feito muita coisa de outra forma. A realidade se impõe soberana sobre as nossas crenças pessoais, entende? A verdade é que a gente perde muito tempo acreditando em coisas que, no fundo, não servem pra nada. Acredita por imposição, porque os outros nos enfiam goela abaixo uma fé que, de fato, não nos diz coisa alguma. E qual é, afinal, a sua fé verdadeira? Hein, Felipe? 

Não respondi. Não sabia o que dizer. 

A minha... — ela prosseguiu. Bem, a minha é beber agora, bem devagar, essa taça de vinho. O resto já não tem a menor importância.

Estendeu a taça. Brindamos. Horas mais tarde, nos separamos. Ela iria para Holanda, Itália e Portugal, não necessariamente nesta ordem. Eu seguiria em outra direção. Diferente da minha, a dela era uma viagem a um só tempo de encontro e de despedida; disposta a não aderir aos tratamentos do câncer, ela simplesmente deixaria a morte trabalhar em seu corpo, sossegada.

Eu, na época com 33 anos, ainda não tinha como entender a fundo o que ela havia tentado me dizer. Porém, jamais esqueci; nunca me esqueço de acontecimentos que de algum modo mexem comigo... me retiram da minha zona de segurança.

Hoje, um dia antes de completar 45 anos, acordei com essa lembrança revigorada... Não, não me empolguei muito com a Europa, dormi pesado nos hotéis a maior parte da viagem. Os museus e as velhas construções, depois de um tempo, me entediaram – aliás, depois de algum tempo, quase tudo me entedia. Aquelas férias valeram mesmo pelos encontros maravilhosos que tive (principalmente, comigo mesmo, embora ainda não soubesse disso). Alguns acontecimentos na vida da gente são como sementes microscópicas plantadas para germinar e crescer na hora certa, florescer quando a beleza, a magnífica coloração e o extraordinário perfume de suas flores possam ser realmente apreciados. É o que pode estar acontecendo comigo agora... Será? Tomara!    

Tim-tim! Feliz aniversário pra mim!

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