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sexta-feira, 17 de maio de 2013

Nem Deus, nem diabo na terra das palmeiras e abacaxis




De vez em quando, encontro nas redes sociais e/ou nos comentários às notícias, críticas rasteiras e, na maioria das vezes, bem ácidas... principalmente, em relação aos programas produzidos pela Rede Globo. O estranho é que os “críticos de plantão” (geralmente protegidos por pseudônimos, no mínimo, intrigantes), em vez de apresentarem sugestões/alternativas para os programas melhorarem em termos de qualidade, apenas destilam anonimamente todo o seu ódio (ou seria despeito?). Alguns chegam até mesmo a fazer ameaças, que, se fossem levadas a sério pela polícia/justiça, poderiam render “bons” processos. (Um aparte: em tempos de ditadura certamente aconteceria isso – até coisa pior. Mas também é bom lembrar que em tempos de ditadura não existiam espaços abertos para essas mesmas “vozes descontentes” serem ouvidas ou lidas.)

Não costumo assistir TV, tanto que logo depois da mudança para o novo apartamento, um dos aparelhos de televisão, aquele que seria do meu quarto, chegou a ficar quase um ano dentro da caixa de papelão. Temendo que estragasse por falta de uso, doei para um dos funcionários do condomínio. Enfim, mesmo não sendo um telespectador apaixonado e fiel, não consigo (jamais consegui) enxergar a televisão como um instrumento “poderoso”, capaz de ditar normas, influenciar comportamentos etc. Acho que qualquer emissora (comercial ou estatal) sempre procura responder às demandas da própria sociedade. Se a sociedade se tornou medíocre, é natural que as programações também sigam por esse caminho.

Tenho amigos e conhecidos que trabalham em diversos setores em emissoras de televisão (na própria Rede Globo), desde a área comercial até as de criação, interpretação, direção e produção de programas.

Jamais fiquei sabendo que eles foram obrigados a trabalhar neste ou naquele projeto por imposição da “alta cúpula” da emissora. Há, evidentemente, uma preocupação com a audiência – afinal, sem retorno financeiro, nada vinga em qualquer tipo de negócio. E televisão é um tipo de negócio. Não é filantropia, nem cabe a ela a educação que as famílias pós-modernas (não todas, lógico) se mostram cada vez menos capazes de oferecer aos seus rebentos. A crise está nas famílias (nos modelos ultrapassados de família machista, heteronormativa e heterocentrada, que não se adaptaram às mudanças sociais e às demandas das gerações atuais), não na televisão. Ela simplesmente reflete tudo isso.

Vejam, não estou defendendo a Rede Globo ou qualquer outro canal aberto, apenas fico bastante incomodado com os rumos que têm tomado os espaços abertos na net para o debate. Não há debate, apenas ataques gratuitos, ranço e total falta de critério por parte dos internautas.

De uns anos para cá, o alvo maior das críticas é o tal Big Brother Brasil. Pois o que há de “tão nocivo” em ficar espiando o cotidiano, ainda que não “tão natural”, de belos jovens, todos cheios de vitalidade e sonhos? É porque eles bebem, transam embaixo do edredom...? Ah, tá! E só eles fazem isso? Nossos adolescentes são “santinhos”? Está bem, entendi: é melhor continuar com essa imagem idealizada daqueles que amamos. Dói menos, certo? Mesmo que depois venha a notícia no meio da madrugada que um deles arrancou o braço de um ciclista e/ou espancou até a morte um sujeito que ele julgou ser uma ameaça às famílias e aos bons costumes (uma bicha, por exemplo).

Algo para refletirmos, não?

Ok, é verdade: não assisto o tal “zoológico de gente” (talvez se os participantes não fossem tão engessados e transassem livremente na frente das câmeras, não embaixo do edredom, como acontece em algumas versões do mesmo programa na Europa e, se não me engano, África, eu até poderia me interessar em “dar uma espiada” para espantar o tédio). Ora, também não vejo futebol... Nem por isso vou odiar que jogos sejam transmitidos. Não gosto (ou melhor: detesto até mesmo as partidas da seleção!), mas não estou sozinho no mundo. Há os que apreciam, torcem, sofrem por seus times. E isso também deve dar um bom lucro, caso contrário não haveria interesse em continuar transmitindo. Até mesmo as missas católicas, cultos protestantes etc. devem dar algum retorno direta ou indiretamente aos seus produtores, ou seriam retirados do ar.

Ora, o que me irrita é que as pessoas querem ditar regras de conduta, como se fossem donas da verdade. Gostemos ou não, essa tal “verdade” não existe. Vamos construindo nossas vidas com tentativas e escolhas pessoais. O resto é ilusão, falácia, hipocrisia, recalque.

Em suma, embora eu não acompanhe reality show, novela e futebol, assisti/assisto a belíssimas adaptações de obras de Machado de Assis, Guimarães Rosa, Nelson Rodrigues, Jorge Amado, Shakespeare, Eça de Queirós, Érico Veríssimo e de tantos outros mestres (do passado ou contemporâneos). Sim, e tudo isso foi possível graças a “famigerada” telinha. Também graças a ela, livros já fora de catálogo voltaram/voltam/voltarão a pipocar nas vitrines das livrarias, atraindo antigos e novos leitores.

Como me disse certa vez um amigo escritor: “Nem tudo é céu ou inferno”. Demorei algum tempo para entender isso. Claro que é mais cômodo ter uma visão maniqueísta, com apenas duas medidas para “entender e classificar” o mundo: alto ou baixo, bom ou ruim, gordo ou magro, chuva ou sol, Deus ou diabo... Desculpe, mas também é mais estúpido pensar assim.