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sábado, 21 de junho de 2014

Valeu, Rose!

Em 1985, com 17 para 18 anos, eu havia chegado do Sul... e logo consegui emprego na Editora Vozes (de São Paulo), como divulgador. A editora (Rose Marie Muraro) era uma mulher visionária, corajosa e com uma inteligência ímpar. Naquele tempo, fui iniciado (por ela e pelos meus companheiros de equipe) no mundo dos "grandes" (Freud, Jung, Guattari, Genet, Foulcault, Rimbaud etc.). Eu era um menino no meio de gigantes. E, por isso mesmo, acho que fiz a Rose gargalhar muitas vezes com os meus ímpetos e destemperos de adolescente cheio de sonhos mirabolantes. 

De braços dados, cruzávamos a Paulista e íamos até o Conjunto Nacional tomar café e comprar passagens aéreas em uma agência da saudosa Varig. Ela ia e voltava do Rio quase toda semana. Conversávamos muito sobre livros, autores... 

Um dia, ela, mais desatinada que eu, esbravejou: 

"Porra, cara, se acha que pode escrever, por que não vai lá e manda bala? Vontade a gente tem pra realizar coisas. Desejo trancado não serve pra nada, vira frustração, rancor, doença." 

Morrendo de vergonha, mostrei a ela alguns poemas. 

"Vamos publicar esta merda!", ela disse. 

Publicamos. Rose escreveu um texto para a quarta capa. No final dele, exclamava: "Valeu, Felipe". 

Sim, era uma porcaria de livro, mas um começo. Sem um pontapé inicial... nada vai adiante. E ela (guerreira não tem medo de arriscar) deu esse chute numa vontade que já havia nascido comigo. 

Hoje, essa mulher lutadora, agnóstica (arrisco, mas dizia ser ateia) e intelectual admirável (que, de tão teimosa, apesar de ter nascido praticamente cega, resolveu ser escritora e editora de ponta)... partiu. Mas não foi o câncer que a levou, como divulgaram por aí. Dona do corpo e do próprio destino, havia cumprido sua missão. Estava pronta para outros desafios. Deixou, então, a morte trabalhar.

Não estou triste. Não fico triste com a morte de quem veio e fez história. Abriu caminhos. Andou sem medo. Inteiro.

Valeu, Rose!



quinta-feira, 12 de junho de 2014

Divão no fascisbook - (quase 3, sessão de emergência)






Ontem, de repente, durante um dos meus sagrados momentos de tédio absoluto, ouvi essa:

— Sabia que amanhã é dia dos namorados?
— Hein?
— Ouviu o que eu disse?
— Antes ou agora?
— Tanto faz.
— Bom, estava distraído, acho...
— Eu disse: "amanhã é dia dos namorados, sabia?"
— É? E daí?
— O que você gostaria de ganhar de presente?
— De quem?
— De mim, ora.
— Distância.

Tem gente que me faz cada pergunta, doutor. Por deboche, só pode ser.


terça-feira, 10 de junho de 2014

Divã no fascisbook 2


Não, doutor, não sou inseguro, mas exigente. Isso, às vezes (ou sempre), é um fardo pesado (para os outros e também para mim). Veja só: quando eu tinha 10 ou 11 anos, minha mãe desistiu de me dar presentes de Natal, aniversário, o que fosse. Não que ela tivesse um gosto, digamos, "muito particular" para escolher os presentes para o caçula da casa, mas, infelizmente, não dava uma dentro, nunca. Daí, achou melhor economizar, e passei a receber dinheiro em vez de presentes. Na verdade, acho que ela queria mesmo era desistir de ser minha mãe, porém decidiu me dar dinheiro. Afinal, já era um pouquinho tarde para me abortar, né? 
Mais adiante, apenas para dar um exemplo desta minha obstinação pelo melhor resultado (e a querida amiga Adriana Chagas testemunhou isso), quando ainda era preciso tirar e levar fotos 3x4 para a carteira de identidade, cheguei a ir a 10 fotógrafos diferentes (em São Paulo e Santos) para poder escolher a foto menos “assustadora”. 
Imagine, então, o "parto a fórceps" que costuma acontecer quando estou escrevendo algo meu... Pois é, a produção do roteiro e dos quadrinhos de Dom Casmurro levou seis anos... E o romance que escrevo agora já recebeu tantas "marteladas" (quatro anos de carpintaria de texto), que já nem sei mais se o original sobreviverá por muito tempo. Bom, se não sobreviver, é porque já nasceu meio morto, certo? E "la nave va"... 
Não, doutor, não me olhe assim. Não, não é que eu não goste do jeito que o senhor me olha... Mas a sua cara, talvez o senhor pudesse dar um jeito de melhorar o corte de cabelo, pôr um aparelho nos dentes, mudar de óculos, de corpo, de encarnação... Enfim, quanto lhe devo? Vou procurar outro psiquiatra; o senhor, lamentavelmente, não serve para escutar as minhas memórias. Puxa vida, tá ficando difícil de ser louco, viu?