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sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Decadência disfarçada





Caraca! Será que vivo em outro planeta ou me perdi em algum portal do tempo?

Não tenho o tal do WhatsApp, também jamais cheguei a me empolgar com "Guerra nas estrelas"... e ontem, depois de muitos anos sem ir ao Centro de Sampa, só encontrei comentários ferozes sobre o primeiro (fora do ar por ordem judicial) e euforia coletiva para a estreia do segundo (cartazes, lojas abarrotadas de produtos da série etc.). Encontrei até camelô fantasiado com capas e capacetes dos personagens do filme...

Puxa, a sensação é de que, por ter perdido vários capítulos importantes de uma novela, fiquei boiando no final da história!

E logo eu que vi na telona o primeiro longa-metragem de "Guerra nas estrelas". Sim, era interessante, porque apresentava efeitos especiais até então nunca vistos... No segundo filme, já estando mais velho, achei (peço perdão aos fãs de carteirinha!) aquilo meio fantasioso demais, a princesa meio cafona e sem sal. Os demais filmes da série, não assisti (na tevê, um pedaço aqui, outro ali, mas nunca de letreiro a letreiro; não aguentei). Provavelmente, por já ter sido fisgado por "O caçador de androides" ("Blade Runner", com uma pegada mais “noir” e existencialista), outros filmes de ficção científica se tornaram menos interessantes. O romance era bom. O filme, idem. E a trilha do grego Vangelis, impecável. Esse filme sobre um futuro caótico, sim, me marcou. Até hoje a cena das “lágrimas na chuva” é impactante... Quem já foi escravo do medo de estar vivo, também se identificará com esta cena.

Enfim, como eu disse, depois de muito tempo, reencontrei ontem o Centro de Sampa de um jeito diferente, não é mais o mesmo que estava na minha memória: com boas livrarias em muitas esquinas, Mappin, Mesbla, grandes cinemas e lojas elegantes, que ofereciam nas vitrines uma infinita variedade de produtos de qualidade (eram tempos “pré-China”).

Não. Ontem de manhã, infelizmente, achei tudo muito massificado e enfadonho, apesar da poluição sonora (até isso era cansativo e muito chato).

Depois de resolver algumas questões burocráticas na Prefeitura, sentei num café, e fiquei ali, olhando, olhando, olhando. Um estranho no ninho, era mais ou menos assim que eu me sentia. Daí, lembrei de um comentário antigo da Bruna Lombardi, no qual ela admitia que sempre gostou dessa "decadência assumida do centro de Sampa”. E havia mesmo, nos anos 1980 (e até mais ou menos a metade da década seguinte), um lado "underground" nas imediações da Praça da República, com ares de contravenção, vanguarda... Gente de várias tribos querendo sair daquele gesso imposto pela ditadura militar: punks, darks, góticos, artistas, michês, putas, os coloridos da onda new age, new gays e afins. Tudo ali fervilhava.

Eu amava isso! Havia um monte de personagens em cada esquina...

Quando morei no Largo do Arouche, eu passeava à noite pelas ruas, sozinho. Também ficava na sacada para ver o dia raiar (o povo da noite indo embora; o do dia, chegando). Naquele tempo, eu escrevia filmes “trash” para diretores da Boca do Lixo (e também alguns pornôs bem apimentados, com um pseudônimo que não revelarei nem sob tortura; filmes que jamais tive coragem de assistir, mas que me renderam uma bela grana... eu tinha apenas 18, 19... 20 anos. Moleque demais, e ainda cheio de falsos pudores). Dessas minhas andanças, surgiram personagens da trilogia “Subterrâneos do desejo”, com “Caçadores noturnos” (Desatino, 2001), “O coveiro” (Desatino, 2003) e “O escorpião” (ainda em trabalho de parto – difícil! difícil! difícil! ­–... um dia nascerá).

Dessa passagem (da noite para o dia), aqui vai um trecho:

“São Paulo fica muito esquisita nesses momentos, assim, comprimida entre o finalzinho da madrugada e o comecinho da manhã. É como se ainda não tivesse rosto, é só um corpo decapitado, inerte, incógnito. Não é ainda aquela máquina fodida de fazer grana. O desatinado formigueiro humano ainda não veio para esconder as calçadas, espantar os pombos, e as praças ainda estão banhadas em esperma fresco. A São Paulo do dia se espreguiça, esquenta suas turbinas; a São Paulo da noite agoniza, se prepara para o esquecimento.” (“Caçadores noturnos”, conto “A vigília”)

Não, assim como não é mais o mesmo Centro da Bruna, também deixou de ser o meu. A decadência continua lá, faz parte da boemia de Sampa. Porém agora, dissimulada. Pelo menos para mim, já não tem o mesmo charme de antes. Mas talvez ainda possa voltar a ser o que era. Enquanto burilo o texto de “O escorpião”, preciso acreditar que sim, porque a trama se desenvolve no quarto de um hotel de viração na Boca do Lixo, que já não é mais Boca do Lixo, mas Cracolândia... Ah, é verdade! Também já começaram a derrubar as paredes da Cracolândia...

Pois é... Como Caetano cantou na música “Fora de ordem” (versos que também podem definir Sampa – cidade sem igual nesse sentido... e, por isso mesmo, assustadora e instigante): “Aqui tudo parece / Que era ainda construção / E já é ruína”     


Caetano sabe das coisas... 


segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Eu, por aí, curtindo a minha solidão...

Quando digo: "quero ficar sozinho"... não estou triste... apenas desejando: "ficar sozinho". É simples. Ao menos para mim, não há nada de estranho em querer ficar sozinho. Mas existe uma imposição social, uma desconfiança quando você afirma que, de vez em quando, sente necessidade de estar sozinho. Quem me conhece desde pequeno sabe que sou um sujeito assim, meio antissocial, aquele que não aparece sempre nas fotos dos aniversários, nem nas ceias de Natal, nas comemorações de Ano Novo... Não é que não goste de estar com os meus amados, mas acho péssimo ser invasivo, impor afetos, cobrar atenção, declarações, visitas etc., etc., etc. Para não cometer tais indelicadezas, fico na minha.

E mais... Quando entro em "trabalho de parto" para uma nova obra, fico arredio, introspectivo, atento somente ao rebento. Há gozos, mas também dores no processo, não tem como compartilhar isso. Escrever é parir sozinho. Às vezes, à fórceps. Principalmente, quando aquele novo filho passou da hora de nascer. Acontece, fazer o quê? 

Enfim... Sei que é difícil conviver com uma pessoa que admite que se sente bem com ela mesma. Isso não deixa de ser uma contravenção num mundo que exige coletividades, um deboche aos que não conseguem ficar sozinhos, uma afronta aos ilusoriamente agrupados... Sim, porque, nas minhas andanças por aí, vejo tanta solidão (a verdadeira e devastadora) nas turmas de amigos, nos casais, nas famílias, nas baladas... Ora, e vem alguém e me critica: "Como você pode gostar de ficar sozinho? Isso é doença, só pode ser? Precisa de tratamento..."

Bem... Ontem, lendo mais um livro do Reinaldo Moraes, a nova edição do romance "Tanto faz", encontrei este parágrafo que resume um pouco o que penso sobre essa "estranheza" que a minha solidão causa nas pessoas:

"A França, quietinha lá fora. Francês segura melhor a barra da solidão. O solitário no Brasil é tratado socialmente como tuberculoso e se sente pessoalmente como um leproso. Brasileiro só acata a solidão na privada e no caixão. E, às vezes, nem no caixão: quantos não caem na vala comum?"

Mais não digo...