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terça-feira, 26 de abril de 2016

"Um cavalo domado pela própria sombra"




Volta e meia, quando me bate o desânimo, releio todos os romances de Jean Genet, vários ao mesmo tempo. Já nem sei quantas vezes fiz isso. 
Bem, sempre digo que contar histórias é um constante exercício de humildade. Não sento e escrevo aquilo que quero, apenas vou me deixando levar pela história que quer/precisa ser contada. Há um narrador para cada texto. Eles são sempre muito ciumentos e possessivos. Ou você se entrega e se anula na estiva que é a escrita... ou será jogado para fora do processo de criação, sem piedade. Comigo é assim: ouço as vozes e vou registrando tudo aquilo conforme o narrador me conduz. 
Em tempos de esterilidade (como agora), Genet a um só tempo me consola e me distancia do meu ego. Ele ainda me ensina a diferença que há entre um escritor e um ficcionista. Por isso, prefiro ser chamado de ficcionista (ou mero contador de histórias). 
Não, não é fácil ler, penetrar no mundo mundo desse autor (ele, sim, "ESCRITOR"). Muitos o detestam. Rainer Werner Fassbinder (que era um gênio do Novo Cinema Alemão) foi lá e filmou "Querelle" (um dos romances de Genet; embora também sombrio, talvez o mais acessível). Depois de filmar a última cena, contam que ele foi para o hotel e se trancou no quarto. Morreu naquela noite, aos 37 anos, numa overdose de cocaína e sedativos. Não chegou a ver o filme pronto. 
Na minha opinião, é um dos filmes mais belos e emblemáticos sobre o desejo hétero e homossexual. Teatral e dramático, como o amor. Talvez Fassbinder tenha ido com muita sede... e se afogou na própria vontade de superação. 
Genet é o ponto de partida, mas também pode ser uma armadilha bem perigosa para alguns. 
... "como um cavalo domado pela própria sombra", foi o que escreveu em um dos seus cinco romances. Assim ainda é Genet: belo, mas também muito arredio e selvagem.