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sexta-feira, 17 de março de 2017

Minha amiga Carol...



No início da última década do século passado (sim, sou do século passado, uma “peça” já fora de catálogo, artigo para colecionador excêntrico – ou tarado), farto da área de comércio exterior, saquei dinheiro no banco e entrei numa agência de turismo.

— Para onde quer ir? — a atendente perguntou com aquele sorrisinho mecânico de quem acha que você não vai comprar nada.

— Qualquer lugar serve, moça, desde que seja bem longe daqui e dure o suficiente para que eu volte (se voltar!) esquecido de quase tudo.

Com grana guardada de um prêmio literário, comprei sem pestanejar o primeiro pacote que a fulana me ofereceu. Paguei à vista. Nem sei quantos dias fiquei por lá (Espanha, França e Inglaterra). Na chegada, em uma reunião no hotel de Madri, conheci Carol e Marisa (filha e mãe, respectivamente). Não sei por qual motivo, mas elas simpatizaram comigo logo de cara (talvez pelos meus comentários sempre muito “gentis e finos”). Ora, detesto caravanas de turismo. Comprei, porque são mais baratas. Mas eu sempre perguntava para onde os meus companheiros de viagem iam com o guia turístico naquele dia... para poder ir em sentido contrário... e ficar bem distante deles. E as duas riam disso. Mas não era para rir, eu falava sério. Puxa vida, alguém que viaja sozinho, quer continuar a maior parte do tempo sozinho! Não precisa ser um Einstein para entender isso!

Nos primeiros dias, cansado, dormi muito. Muito mesmo. Chegava a perder até mesmo o horário do café da manhã.

— Felipe, você está dormindo sobre dólares... tem que aproveitar mais o dinheiro que você gastou nesta viagem — era o que Marisa dizia, indignada como o fato de alguém ter ido tão longe para dormir quase o dia inteiro.

E eu, no melhor do meu humor "fraternal", rebatia:

— E daí? A grana não é minha? Se quiser dormir, durmo e pronto. 

Fui para lá com uma porcaria de portunhol, apenas isso. A Carol sabia inglês. Eu a contrariava o tempo todo, mas ela não ligava para as minhas rabugices. Eu dava coices, ela gargalhava. Realmente, não nasci para entender essa “lógica afetiva” das mulheres. Fui muito malcriado com várias mocinhas que até hoje não largaram do meu pé (inclusive minha mãe, coitada, que logo vai virar santa milagreira... como recompensa por ter me aturado tanto).

Mas vamos lá... Na viagem, de vez em quando íamos juntos a alguns lugares (museus, restaurantes etc.). Nessa época, Carol não comia carne, nem isso, nem aquilo. Ahhhhh!!!!! Minha paciência dura o tempo de um piscar de olhos e, para piorar a situação, muitos lugares por lá (principalmente em Paris) não servem apenas um cliente quando a mesa for ocupada por "vários". No caso, Marisa, Carol e eu. Para aqueles cubículos chamados de bistrô, três pessoas representam uma “lotação esgotada”, um "sucesso de público". Que me perdoem os sofisticados, mas acho aquilo uma bobagem. Cobram caro para servir um prato quase vazio em um local do tamanho de uma gaiola. Enfim, quando achávamos um lugar que oferecesse o bendito “cardápio” da Carol, não havia o que Marisa e eu queríamos/precisávamos comer. Bem, lá pelas tantas, bufando por ter rodado tanto pelo tal Quartier Latin em busca das “preferências” gastronômicas da Carol, a mãe dela me olhou de rabo de olho, como se me autorizasse a dar um ultimato. E foi o que fiz:

— Nós vamos entrar no primeiro lugar que oferecer comida decente, e você vai comer o que tiver! Ou vai ficar na calçada, esperando. 

Incrível, ela ria de mim. Vá entender...

Mais adiante, em um teatro famoso (já nem lembro o nome), fomos assistir a um daqueles shows meio cafonas para turistas. Lá, ofereciam uma garrafa de champanhe por pessoa. Sinceramente, eu estava mais interessado no champanhe. Era cortesia (é provável que, por precaução, tentem embebedar o público para que ninguém peça de volta o dinheiro do ingresso). Antes de entrar, Marisa e eu demos uma ordem bem clara:

— Carol, se você disser que não bebe e recusar a sua garrafa, sairá rolando escada abaixo.

Adolescente é fogo! Mas ela, acho que beliscada pela mãe por baixo da mesa, acabou se comportando direitinho: aceitou a garrafa.

Como disse, Carol dominava o inglês. Portanto, era a minha tradutora oficial. E ela fazia chantagem com isso, claro:

— Se continuar me maltratando, não traduzo nem falo mais nada por você.

Pois é... tive que aceitar.

Sim, ela também tirava fotos de mim (não havia “selfie” naquele tempo)... e queria dar ordens:

— Olhe para a câmera!

— Não gosto de olhar para a lente!

— Por quê?

— Por que não aguento mais olhar para a sua cara! Vai, bate logo essa foto!

Foi assim, desse jeito bastante “afetivo”, que nos conhecemos e nos tornamos amigos. Há um carinho especial. Coisa que a gente não explica, apenas sente (mesmo à distância).

Feliz aniversário, Caroline Ladvocat!



Tudo de MELHOR que a vida possa lhe dar, SEMPRE!

Obs.: Tá, não precisa ligar para agradecer... Aliás, acho que nunca lhe dei o número do meu telefone, dei? Bom, que fique assim... 




quinta-feira, 16 de março de 2017

Tempo de despedidas (2)



Indo aos Correios, eu passava por um caminhão no qual um tiozinho vendia frutas. Sempre o cumprimentava, apertando-lhe a mão ou batendo no seu ombro. Em dias muito quentes, ele me dizia: 

“Amigo, cadê o chapéu? Tem que proteger bem a cabeça.” 

E ele recomendava isso sem saber dos meus aneurismas clipados. Era coisa de gente mais velha, que simplesmente vai soltando o que o coração quer dizer, sem medo.

Bem... Voltando das férias, passei uma, duas vezes por lá... e nada de vê-lo no caminhão. Agora havia um rapaz ali. 

Ontem, parei e perguntei:

“Moço, e o tiozinho das frutas, ele tá bem?”

“Pois é, o seu Sílvio morreu. Foi na véspera do Ano Novo. Tinha 73 anos e fumava muito...”

Aquilo me deu um nó na garganta. Estamos na fase das despedidas, é natural que fiquemos mais sensíveis e apegados às pessoas – conhecidas ou não. Ele era um estranho, sim. Nem o nome dele eu sabia. Mas fazia parte das minhas andanças – e agora das minhas memórias. 

Vá em paz, seu Sílvio! Vou usar mais o chapéu e o boné! Obrigado!


domingo, 12 de março de 2017

Crescer ou não crescer, eis a questão



Há uma fase na qual nos afastamos das pessoas (familiares, amigos de infância etc.) para moldar melhor a nossa personalidade, aprender a andar com as próprias pernas. E mais adiante vamos nos aproximando outra vez daqueles queridos (e agora já meio estranhos). Daí, entre os héteros, encontramos de vez em quando os que pararam no tempo. E também não é raro nos depararmos, entre os homossexuais, com os que (numa visão/linguagem junguiana) têm maior identificação com o “puer aeternus” (nem sei pronunciar direito, mas são “jovens eternos” e, em geral, “muito dependentes da figura materna”). É aquela pessoa que, décadas depois, insiste em falar dos mesmos assuntos, guardar sonhos quase infantis e que ainda não conseguiu sair (física e/ou psicologicamente) do primeiro ninho. Mesmo sem terem nas mãos as rédeas do próprio destino, costumam ser arrogantes e bastante críticos. Enfim, não conseguiram fazer o rito de passagem para a vida adulta. Trocando algumas palavras com eles, percebe-se que, apesar do discurso de liberdade sexual, afetiva etc., sentem falta de ter uma companhia mais duradoura. Desdenham dos “casados”, mas, no fundo, gostariam de encontrar a tal “cara-metade”. Ora, não existe isso de alma gêmea, é balela de crença, literatura, filme, telenovela, medo de encarar a realidade. O que há de fato numa relação a dois é um contínuo exercício de concessões e “adestramento” do ego. Afinidades "lapidadas" com o passar dos anos e diferenças "amansadas/negociadas" na estiva do dia a dia. Aprendi isso (ou mais ou menos isso) com meu amigo escritor/terapeuta Klecius Borges. E também com o tempo, lógico.



sexta-feira, 10 de março de 2017

A barbárie e o silêncio




Na primavera de 2013, para deixar de cabelo em pé a equipe de enfermagem, eu, além de terminar de editar um livro sobre terrorismo, caminhava sem parar pelos quartos e corredores do hospital Santa Paula durante a minha longa internação para duas complexas neurocirurgias. Fiz muitas amizades. Entre os pacientes, conheci Josué, um angolano gravemente ferido na perna por uma mina enterrada em um parque. Ele tinha feito algumas cirurgias na África, mas ainda estava com uma infecção poderosa, que já havia atingido a parte óssea. Seria a última tentativa para combater a bactéria. Se não desse certo, teria que amputar a perna. Conversávamos muito. E, ao assistirmos a uma reportagem sobre torturas praticadas pelo Estado Islâmico, a qual mostrava crianças sendo queimadas vivas em uma jaula, comentei com ele que, no Brasil, alguns jovens conservadores e desavisados queriam a volta dos milicos ao poder. Ao ouvir isso, ele sacudiu a cabeça e murmurou:

“São loucos, não sabem o que é uma ditadura”.

Mais adiante, contou que um parente, quando sua aldeia foi invadida pelas tropas de um ditador, teve que escolher um dos filhos para o sacrifício em sinal de obediência ao novo governo.

“Que sacrifício?”, perguntei ingenuamente.

“Ele teve que escolher um para esmagar a cabeça no pilão. O pai tinha que pegar um dos filhos e triturar os miolos dele diante do resto da família e vizinhos, no pilão de moer milho. A mãe era forçada a segurar o filho. E assim era feito em todas as casas. Não poupavam nem os que tinham apenas um filho. Se o pai não fizesse isso, toda a família era fuzilada imediatamente, começando pela mulher.”

Ele se calou. Eu também. Não havia mais o que dizer ou perguntar.

Essa barbárie deveria ser mais divulgada e mostrada na mídia e nos currículos escolares para que Marine Le Pen, Frauke Petry e outros Bolsonaros-da-vida com suas ideias estúpidas não se proliferem nunca mais. 

Aliás, em Buenos Aires, ao lado da Casa Rosada, há um museu com filmes e outros documentos sobre o terror da ditadura militar na Argentina. No Brasil, esse assunto continua velado.

E agora querem retirar a disciplina de História das grades curriculares...

Sinceramente, sinto muita vergonha de ver e testemunhar marchas e discursos tão imbecis, como os dos novos (novos?) fascistas. No fundo, invejo quem já morreu. Fazer parte desta história atual é ultrajante!

Estamos nos transformando em zumbis... A escritora e importante feminista carioca Rose Marie Muraro dizia que o mundo estava doente e que, cedo ou tarde, todos seriam contaminados por essa "doença do mundo".

E a dor maior (ou pior sintoma) da "doença do mundo" é o desânimo. A apatia. O silêncio.

O mais angustiante é que olho em volta e vejo claros sinais de amigos queridos já contaminados por essa "doença do mundo". Talvez eu já esteja, também... É muito triste isso. Desesperador.