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sexta-feira, 10 de março de 2017

A barbárie e o silêncio




Na primavera de 2013, para deixar de cabelo em pé a equipe de enfermagem, eu, além de terminar de editar um livro sobre terrorismo, caminhava sem parar pelos quartos e corredores do hospital Santa Paula durante a minha longa internação para duas complexas neurocirurgias. Fiz muitas amizades. Entre os pacientes, conheci Josué, um angolano gravemente ferido na perna por uma mina enterrada em um parque. Ele tinha feito algumas cirurgias na África, mas ainda estava com uma infecção poderosa, que já havia atingido a parte óssea. Seria a última tentativa para combater a bactéria. Se não desse certo, teria que amputar a perna. Conversávamos muito. E, ao assistirmos a uma reportagem sobre torturas praticadas pelo Estado Islâmico, a qual mostrava crianças sendo queimadas vivas em uma jaula, comentei com ele que, no Brasil, alguns jovens conservadores e desavisados queriam a volta dos milicos ao poder. Ao ouvir isso, ele sacudiu a cabeça e murmurou:

“São loucos, não sabem o que é uma ditadura”.

Mais adiante, contou que um parente, quando sua aldeia foi invadida pelas tropas de um ditador, teve que escolher um dos filhos para o sacrifício em sinal de obediência ao novo governo.

“Que sacrifício?”, perguntei ingenuamente.

“Ele teve que escolher um para esmagar a cabeça no pilão. O pai tinha que pegar um dos filhos e triturar os miolos dele diante do resto da família e vizinhos, no pilão de moer milho. A mãe era forçada a segurar o filho. E assim era feito em todas as casas. Não poupavam nem os que tinham apenas um filho. Se o pai não fizesse isso, toda a família era fuzilada imediatamente, começando pela mulher.”

Ele se calou. Eu também. Não havia mais o que dizer ou perguntar.

Essa barbárie deveria ser mais divulgada e mostrada na mídia e nos currículos escolares para que Marine Le Pen, Frauke Petry e outros Bolsonaros-da-vida com suas ideias estúpidas não se proliferem nunca mais. 

Aliás, em Buenos Aires, ao lado da Casa Rosada, há um museu com filmes e outros documentos sobre o terror da ditadura militar na Argentina. No Brasil, esse assunto continua velado.

E agora querem retirar a disciplina de História das grades curriculares...

Sinceramente, sinto muita vergonha de ver e testemunhar marchas e discursos tão imbecis, como os dos novos (novos?) fascistas. No fundo, invejo quem já morreu. Fazer parte desta história atual é ultrajante!

Estamos nos transformando em zumbis... A escritora e importante feminista carioca Rose Marie Muraro dizia que o mundo estava doente e que, cedo ou tarde, todos seriam contaminados por essa "doença do mundo".

E a dor maior (ou pior sintoma) da "doença do mundo" é o desânimo. A apatia. O silêncio.

O mais angustiante é que olho em volta e vejo claros sinais de amigos queridos já contaminados por essa "doença do mundo". Talvez eu já esteja, também... É muito triste isso. Desesperador. 


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