No início da década de 1970, quando foi lançado Último
tango em Paris, de Bernardo Bertolucci, com Marlon Brando e Maria Scheneider
na famosa cena em que o protagonista (que, até determinado momento do filme, é o
macho típico, o galã etc.) pede para a amante penetrá-lo com os dedos,
lubrificando-os com manteiga... Nossa, que heresia! Logo o Marlon Brando, um
dos maiores astros de Hollywood! Claro que o filme foi, por muito tempo, proibido
no Brasil (como aconteceu com Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick, Império dos
sentidos, de Nagisa Oshima, e tantos mais), porém vários casais do Sul (com boas condições financeiras, claro)
iam assisti-lo em Montevidéu ou Buenos Aires. Se não me engano, até na cidade que
faz fronteira com Uruguaiana, Passo de los Libres, o tal filme “contra a moral
e os bons costumes” era exibido em sessões lotadas, filas imensas se formavam nas calçadas.
Mais adiante, 1992/93, quando ganhei uma bolsa para estudar teatro
em uma universidade de Tandil, Província de Buenos Aires, pude ver uma produção
argentina em televisão aberta, por volta das nove da noite, na qual duas moças
apaixonadas se beijaram na boca, beijo de língua em close máximo. E nossa mesa
de jantar (eu morava com uma família de classe média argentina) seguiu sem
grandes abalos. “Fraquinha esta história”, foi esse o comentário da matriarca
da casa, dona Ticiana.
Recentemente, de volta a Buenos Aires a passeio, estávamos
caminhando pela Corrientes, de madrugada, quando, de repente, meu companheiro e
eu vimos dois gays sendo importunados por um homem: “Ah, que bonito! Posso
tirar uma foto de vocês se beijando? Assim, de mãos dadas pela rua, também. E
me digam: como a gente faz para ter um amor tão ‘bonitinho’ como o de vocês” Tudo
em tom de gozação, para intimidar os dois. Ah, é verdade, o tal homem era um
brasileiro visivelmente bêbado. Aqueles rapazes argentinos não o denunciaram.
Podiam chamar a polícia; na Argentina há leis que dão garantias e amplos
direitos civis a casais homoafetivos. No Uruguai, também. Não, no Brasil, não. Igrejas
e supostas sagradas famílias não permitem
e blablablá.
Temos, infelizmente, algum problema em relação a sexo,
sexualidade, nudez etc. Biquínis podem
ser mínimos na praia, seios e bundas ficam de fora durante os desfiles de
escolas de samba... Mas topless é proibido... Praias naturistas, então, poucas
e frequentadas apenas por “degenerados”, “gente desavergonhada”, “sodomitas”
etc. Claro, também vale citar o caso da atriz Betty Faria, que quase foi
condenada a usar burca por ter cometido a “infâmia” de exibir sua verdadeira idade
em um biquíni numa badalada praia carioca. “Que horror”, bradaram
em coro na internet, “logo a Betty Faria, a nossa eterna Tieta!” E por aí segue
a boçalidade...
Em sua obra, Nelson Rodrigues era mestre em abordar esse
recalque da classe média brasileira. Há, digamos, uma trava esquisita na nossa
libido. Em A falecida, por exemplo, Zulmira, uma dona de casa típica, religiosa
e insuspeita, passa a vida falando mal de Glorinha, prima do marido. Segundo
ela, aquela Glorinha é um péssimo exemplo de mulher, liberal demais, loira de
farmácia, lasciva... Zulmira (para o marido): “Vou te dizer mais o seguinte...
Glorinha tem parte com o demônio!” Nas cenas finais, depois de morrer em
decorrência de um câncer, o marido da protagonista descobre que, certo dia, ela
(que bancava a santa) o traiu descaradamente no banheiro feminino de uma
sorveteria na Cinelândia, com um homem de posses, enquanto ele (sim, o marido
corno) a aguardava na mesa. E ela ainda teve outros encontros com o amante rico.
Certa ocasião, de braços dados com ele na rua, deu de cara com a Glorinha, que,
dali em diante, Zulmira passou a chamar de “arrogante” e “safada”.
Por último, é bom falar do tão “nocivo” Big Brother Brasil...
Não seria esse programa um bom “apanhado” das nossas máscaras sociais? Os
participantes andam em trajes mínimos, rebolam sensualmente, insinuam-se aqui-ali,
falam palavrões... Mas nudez total, jamais! “E minha família, o que vai pensar
de mim?” Carícias íntimas? Só embaixo do edredom. Ali, tudo bem, “ninguém vê
nada”. Lembrando que até no Big Brother angolano os integrantes costumam tomar
banho nus, sem o menor acanhamento. Não há tarjas, nem cortes de edição. E os
homens acordam excitados. Afinal, são sujeitos normais. Em outras partes do
mundo, edredom pra quê? “Se querem nos ver”, devem pensar, “mostraremos que
somos pessoas comuns”. Pretensamente, é um jogo da verdade, não? Assim, os
falsos serão eliminados pelos voyeurs que ficam do outro lado da tela. Ora, quem
não gosta de espiar a vida alheia, que mude o canal. Pronto: tá resolvido o “problema”.
De certa forma, os participantes daqui (que somos, doa ou não, nós mesmos,
digo, “os bisbilhoteiros de plantão”) também mostram aquilo que eles são: personagens
dúbios, socialmente reprimidos, falsos moralistas. E isso, claro, nos açoita
diariamente. Espelho é, sem dúvida, algo muito, muito cruel, não?