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terça-feira, 25 de dezembro de 2018

Mapplethorpe para maiores



Michelangelo e outros grandes gênios ampliaram horizontes da percepção humana. Não foram tão amados assim em vida. Não tão assumido quanto o seu rival Leonardo da Vinci, Michelangelo também era homossexual e as excentricidades do artista eram toleradas pela sociedade da época graças ao seu extraordinário talento. Ele e outros mestres estavam fora do tempo e do espaço. “Michelangelo, já idoso, ‘enquanto príncipes e pontífices rivalizavam em ofertas’ para ele, se tornava cada vez mais ensimesmado e mais exigente consigo mesmo. Escrevia poemas, e em algumas cartas escritas se vê que ‘quanto mais subia na estima do mundo, mais amargo e intransigente se tornava.’ Era amado e temido ao mesmo tempo, pois tinha um temperamento forte e não perdoava ninguém, superior ou inferior.” (Leia mais em: http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_secao=11&id_noticia=206020)

O temperamental Robert Mapplethorpe, na minha humilde opinião de fã de fotografia, fez o mesmo com suas lentes e modelos. Pornográfico e degenerado, diziam e dizem até hoje os puritanos. Ora, como a história sempre nos mostra que a voz do povo NÃO É a voz desse deus cujo filho dizem ter nascido hoje e foi executado por decisão da maioria em voto direto, que se danem as opiniões medíocres e geralmente equivocadas dos hipócritas! 

Quando estive em março deste ano em Nova York, quis muito, mas não tive tempo de ir ao estúdio de Mapplethorpe. Se eu voltar lá, será o primeiro lugar da minha lista.

Agora, felizmente, parece que o filme sobre a vida dele virá para o Brasil em 2019. Espero que sim.

Aqui, o trailer (se não tiver mente e olhos abertos, não assista):







sexta-feira, 30 de novembro de 2018

O prato nosso de cada dia




“Animal ou vegetal, um ser morreu em sacrifício para nos manter vivos. É esse o sentido maior de respeito e gratidão antes das refeições. Também a gratidão a todas as mãos que fizeram aquele alimento chegar até o seu prato.” Ouvi isso num documentário sobre religiões afros e fiquei pensando no que o sacerdote disse. Acredito que muitos também nunca pensaram nisso, porque sempre nos ensinaram a agradecer a Deus, o fulano lá de looooonge... 

Por isso, em algumas religiões, animais que servirão de alimento são mortos por especialistas, pessoas treinadas para aquele ato acontecer rápido e com o mínimo de sofrimento possível. Eles acreditam que, se o seu prato estiver com a dor e a agonia do animal, a comida não fará bem para o nosso corpo, nem para o espírito. Faz sentido. Porém em grande escala e com o lucro em primeiro lugar isso é impossível. Eu ainda consumo carne de grandes frigoríficos e outros itens de origem animal oferecidos por produtores gigantes. Estou muito longe dessa lucidez e evolução espiritual. Mas, quem sabe, um dia... 

Ainda menino, em uma fazenda de Uruguaiana, vi uma ovelha ser degolada para ser esquartejada e assada para o almoço de domingo. Tudo acontece muito rápido. Mas é difícil esquecer o olhar de pavor do bicho pendurado pelas patas traseiras. Algumas ainda estão agonizando quando já começaram a retirar a sua pele. Naquele almoço, não comi o churrasco. Depois, tentei não pensar mais na cena. Comprando em partes nos supermercados a gente finge que não sabe como tudo é feito. E muitos não sabem mesmo, nem querem saber... 

“Mas aqueles bichos são criados em cativeiro, não têm noção de nada”, é a justificativa que se ouve por aí.


Bem, se é assim, quando a ciência evoluir na área de transplantes etc., podemos criar humanos em cativeiro para abate e retirada de órgãos. Um clone de estimação, por exemplo, para que possamos arrancar e substituir os pedaços que falharem no nosso corpo. Ora, sem problemas. Afinal, eles foram criados ali para esse fim, não terão a menor noção de como é a vida lá fora.


Sem dúvida, é algo que vamos ter que rever com urgência. As religiões mais antigas já sabiam de tudo isso, mas foram “soterradas” pela nossa ganância. Predadores na natureza também abatem quase instantaneamente suas presas. É provável que eles também saibam que a dor deve ser evitada ao máximo. São mais evoluídos que nós por matarem apenas para saciar a fome, não para acumular cadáveres e negociá-los em pedaços, como nós fazemos (e cada vez em maior escala). 




segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Arte é coisa de vagabundo





Já enfrentei e assumi muitas coisas sem ter grandes transtornos, apesar de causar escândalo para alguns e inveja (?) para outros. No entanto, por incrível que pareça, demorei muito para me assumir como um criador (ou artista, tanto faz), talvez por causa de tudo que ouvi de negativo sobre essa atividade desde pequeno. E, ultimamente, tenho escutado e lido mais agressões contra esse meu legado (ou profissão, ainda que muitos digam que é "coisa de vagabundo"). 

Por coincidência, indo ontem ver o Paulo Gustavo no Tom Brasil, com o seu emblemático espetáculo MINHA MÃE É UMA PEÇA... casa lotada, três mil pessoas, 16 anos em cartaz e viajando pelo país... Bastava ele aparecer em cena, começavam os aplausos, os risos... Todo mundo feliz. O ator com uma forte gripe, tossia de vez em quando, mas também estava feliz e grato por tudo aquilo. No final, como ela estava nos bastidores, o artista chamou a sua mãe para cantarem juntos uma música de encerramento da apresentação. Lá estava a famosa mãe do Paulo Gustavo, afinadíssima, ajudando o filho a cantar, já que ele, por estar resfriado, não conseguia alcançar algumas notas. Amigos queridos nos deram de presente os ingressos e foram conosco. Um final de domingo para gargalhar e também, no meu caso, pensar mais um pouco sobre esse atual "levante" contra os artistas. Dia desses, li uma postagem, dessas com frases de efeito que vão sendo compartilhadas mais por compulsão do que por passarem/representarem uma ideia com a qual os "repassadores", de fato, se identifiquem ou concordem. Nela, era possível ler algo assim: "precisamos de engenheiros, professores, médicos etc., mas nunca de artistas".        

Pois bem, para quem acredita que arte é absolutamente dispensável, que se livre dela, ora! É "simples". Rasgue livros, desligue a televisão, tire os quadros das paredes, as estampas dos móveis e das roupas, não vá mais ao cabeleireiro fazer aquele corte da moda, deixe de ver filmes, também apague os afrescos das igrejas, arranque as imagens dos altares e, claro, pare de cantar hinos para louvar o seu deus e cantigas para ninar os seus filhos, netos... Também não use mais joias, nada disso que vem dos "famigerados e dispensáveis" artistas. Enfim, elimine a arte (seja ela qual for) e veja como ficará a sua vida. 

Mesmo em estado selvagem, animais se enfeitam ou produzem ninhos espetaculares, também emitem sons e fazem belas danças para o acasalamento. Arte é uma forma de transcender, sair do lugar-comum, enfrentar a morte, agradecer por estar vivo, demonstrar essa gratidão em forma de criações que vão ficar por aí como herança para os que virão. Por mais que tenha evoluído, arte ainda tem o mesmo significado (e importância) que os desenhos deixados nas cavernas: é um vestígio, sinal para futuros arqueólogos (ou exploradores vindos de outros planetas, se aqui já não existir mais vida humana). Sim, para esses "extraterrestres" é bem provável que a arte deixada tenha mais valor "científico" que todo o resto, por não ter "verdades" tão inconstantes quanto a engenharia, as escolas, a medicina etc.   

Agora, se você não gosta, tudo bem. Cada um que viva com o que lhe basta. Mas não venha aqui, ler, curtir e se fartar gratuitamente com os meus textos... e depois sair por aí, arrotando sua ira contra mim e os meus parceiros de estiva. 

Por favor, mais respeito!

Goste ou não, muitos de nós deixarão contribuições para a eternidade. E você, vai deixar o quê? Apenas rancor, recalque e ódio? Quem deixa esse tipo de “obra” para a posteridade são os tiranos. 

Queira ou não, tudo é arte. Só não vê e sente isso quem não quer (ou não pode). Se grande ou menor arte, isso é o de menos para o tempo. Afinal, um brinco de osso deixado por civilizações pré-históricas tem maior ou menor importância que uma partitura de Mozart? 

Pensemos. 




sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Andando em círculos






Domingo passado, ao rever na televisão o filme MEMÓRIAS DO CÁRCERE, baseado no livro homônimo de Graciliano Ramos, dirigido por Nelson Pereira dos Santos, fiquei pensando o quanto a história se repere. É a tal “espiral do eterno retorno” proposta pelo filósofo Friedrich Nietzsche. Embora o filme não seja um dos melhores do Nelson e tenha envelhecido em termos estéticos e “dramáticos” (na interpretação dos atores), o roteiro mostra a Ação Integralista Brasileira (AIB) do período Vargas (uma ditadura sob o comando de um populista, que foi tema do meu Trabalho de Conclusão de Curso na faculdade de Relações Internacionais). 

Com o pavor (quase surreal) do comunismo disseminado nas multidões (que nem sabiam o que era comunismo) e pela moral e os bons costumes (defendido pelas famílias e igrejas), o Brasil mandava os descontentes (tidos como “inimigos da pátria”) para os calabouços. Houve perseguição, tortura e extermínio naquele período. Quando os Integralistas cansaram Getúlio com o seu “Anaê”,  grito de guerra que significa “você é meu irmão” (em tupi), foram dispersados e passaram a constar apenas nos livros de história. 

Em 1964, com novo golpe, militares (hoje se sabe que apoiados por Whashington) tomavam o poder com a mesma desculpa de “pela moral, pelos bons costumes e para afastar o comunismo”. Sim, a boa e velha desculpa de “comunismo”. Aliás, se não existisse o “comunismo”, não sei o que o seria dos movimentos de ultradireita. Talvez perdessem a força que a maioria das religiões tem ao pregar o “grande perigo” do pecado, do diabo, do inferno etc. Sem o fortalecimento do medo pelo desconhecido, multidões de fiéis se dissolveriam em pouco tempo. 

E hoje estão de volta o discurso de ódio, o puritanismo e a tão temível "invasão comunista". O “outro” também volta a ser “o degenerado”, “o comunista”, “a ameaça à família e aos bons costumes”. Os “bons e sãos” são agora como Integralistas repaginados pelos recursos da informática; suas ideias extremistas e medos infundados se espalham com maior velocidade e força de persuasão.     

Enfim, a história não é linear, como queremos e nos ensinam a acreditar que seja; ela se move em círculos num vaivém infinito. Nietzsche, internado em manicômio após um colapso mental, talvez sofresse de excesso de lucidez em um mundo programado para ser insano. Os desajustados somos nós que ainda acreditamos que a sociedade tem conserto. Não tem. Não pode ter. Há outros interesses em jogo que mantêm as engrenagens emperradas para que o poder de alguns se perpetue. 

Ou você ainda acredita que a saúde, a educação e a segurança voltarão a ser boas para todos algum dia, indistintamente, quando há centenas, milhares de empresas do setor privado que lucram fortunas com essa “deficiência” nas políticas públicas? 

Bom, se acredita, estará a salvo, pois continuará se entregando a promessas vãs e ameaças que nunca existiram de fato (pelo menos, não com a força que foi propagada). Os "sãos e bons" são os que não destoam. Se contestar a "ordem" imposta, irá para o calabouço, o hospício ou para a cova.

Gostemos ou não, é assim que tudo funciona.

   



sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Mais aviso que epitáfio






Tenho um livro sombrio de 2003 sobre a morte (sobre o “se deixar morrer” e “matar para realizar a vontade dos que querem morrer”), chamado O COVEIRO. É uma novela literária meio “trash”. Se tudo correr bem, este livro, junto com CAÇADORES NOTURNOS e mais o inédito ESCORPIÃO, que encerra a minha trilogia SUBTERRÂNEOS DO DESEJO... os três serão publicados em nova edição (revista) e edição inédita para ESCORPIÃO ainda este ano. Os dois primeiros, apenas em eBook (livro digital), o terceiro em edição convencional, mas limitada e numerada (para colecionador).

Será um derradeiro “desatino” da Editora Desatino, já que não há mais como distribuir livros físicos, nem pontos de venda.


Para mim, como autor, será ainda pior, pois me colocará em risco: os três títulos abordam o desejo e o sexo nas mais variadas formas. Sexo sempre será um tabu em um país que não consegue se olhar no espelho e ver como realmente é, não o que gostaria de ser (e muitos acreditam ser). Em vez de gozar livremente o desejo, falsos puritanos preferem fiscalizar o tesão alheio. O peso da culpa cria amarras, não deixa a pessoa viver plenamente. Essa repressão interior costuma ser devolvida ao “outro” em altas doses de ódio, rancor, inveja.


Nelson Rodrigues disse certa vez: “O que seria dos padres, se não existissem as feias?” Eu me atrevo a “atualizar” essa pergunta para: “O que seria da internet hoje, se as transas fossem muito boas para todos?”


Mas, voltando aos mortos de O COVEIRO...


Para escrever este livro, fiz vários passeios no Cemitério do Araçá (não tão bonito e rico quanto outros com túmulos e esculturas magníficas, como este da foto, mas creio que é o único que tem uma bela visão panorâmica de São Paulo). Lá estão os anônimos e também os famosos, como Cacilda Becker, Nair Bello (na época de produção do livro, ela ainda estava viva) e outros que já não me lembro. Sinceramente, cemitérios me trazem paz, fico calmo e mais criativo que em outros lugares. É inspirador passear pelos corredores, ver fotos e ler epitáfios. Cada foto é uma história diferente, com início, meio e fim. Mas gosto mesmo é de visitar túmulos de gente que não conheci. Sei lá, acho que, com o passar dos anos, fica estranho. Quando temos mais gente conhecida e amiga sepultada do que nas ruas, bate uma sensação de que a nossa história começou a se apagar; não há mais testemunhas daquilo que vivemos.


Bom, em alguns casos, é melhor nem ter mais testemunhas de certos “deslizes” na nossa biografia. A criatura que ainda podia nos fazer algum tipo de “chantagem”... já foi! Ufa, menos um!


Preciso fazer aqui uma pausa para “ilustrar” essa questão de já termos mais gente nossa enterrada do que viva... Meu pai costuma dizer que, ultimamente, com mais de oitenta anos, para não ser surpreendido, ao encontrar um amigo na rua já vai logo beliscando para perguntar:


“Bah, tchê, tu estás vivo mesmo ou eu já morri também?”


Ainda sobre as fotos... Admito que é a parte do passeio que mais me atrai. Fico intrigado com a escolha que o familiar fez. Há alguns que morreram com trezentos anos, mas a foto é da fase jovem. Será que foi por imposição do morto? “Se colocarem a minha foto de velho, ninguém vai receber um centavo de herança!” Também há os lindos e as lindas. Sim, os novos são mais sortudos; morrem ainda bonitos e viçosos. É claro que há também os feios. Esses são os que me deixam mais confuso. Será que não dava para melhorar a foto ou foi de maldade mesmo que algum parente desalmado fez aquilo com o morto para expor e eternizar a feiura dele? Em vez de homenagem, seria uma vingancinha póstuma?


Não, a gente não vai saber nunca a resposta. Cada foto de morto é uma espécie de esfinge para curiosos incorrigíveis (como eu).


Gabriel García Marquéz escreveu em MEMÓRIAS DE MINHAS PUTAS TRISTES, seu belo e, ao mesmo tempo, melancólico romance de despedida da literatura, que uma pessoa só pertence a um lugar quando enterrar seus mortos nele. Não sou de São Paulo, vim de longe, mas já enterrei alguns mortos “meus” aqui. Então já sou daqui. Sou e não sou só daqui, porque também tenho mortos meus em outros lugares. Andarilho de nascença, é natural que eu tenha deixado outros mortos por onde passei. No fundo, como diz o Ramiro da minha novela literária, todos nós somos coveiros: dos outros e de nós mesmos. Como túmulos ambulantes, vamos carregando os nossos mortos por aí, até finalmente nos juntarmos a eles.


Com isso em mente, quando fui fotografar para a capa da nova edição de O COVEIRO (que, no fim, nem será utilizada) brinquei com o rapaz (um coveiro de verdade) que, a pedido da administradora do cemitério, me acompanhava pelas alamedas floridas e perfumadas do Araçá:


“Na minha lápide, se houver uma, quero que não escrevam essas frases piegas de saudades eternas da família, nem de que o morto foi muito melhor do que ele realmente era, mas apenas: ‘ESTEVE AQUI QUEM AQUI NUNCA ESTEVE DE FATO’. Os que me conheceram de verdade e aguentaram as minhas esquisitices vão entender esse meu último recado (e não aparecerão tão cedo para me visitar).”


Enfim...


Feliz dia dos mortos para os que já morreram e para os que ainda estão vivos! Os vivos, ultimamente, andam precisando mais dessa felicidade do que os finados.


No mais, caro(a) leitor(a), deixe flores para os seus queridos defuntos, depois volte lá para aquela sua vidinha sem graça e tente dar uma bela e necessária sacudida nela, antes que seja tarde, se é que já não é!


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Crédito da foto do Cemitério São Paulo: “De Alfredo Oliani, destaca-se o conjunto escultórico ‘Último adeus’, considerada uma das obras mais instigantes da arte cemiterial na cidade de São Paulo. A obra foi encomendada por Maria Cantarella, por ocasião da morte do marido, Antônio. Representa um homem no vigor da idade inclinando-se sobre a esposa morta, em um apaixonado beijo de despedida. Oliani buscou atender ao pedido da viúva, de uma escultura que celebrasse abertamente o seu amor pelo marido, reconhecendo-o como vivo em sua memória e a ela mesma morta, sem a sua companhia.” (Wikipédia)



sexta-feira, 26 de outubro de 2018

O país que fingimos não ver



“Em pouco tempo descobri que os dias só iam passando para os que estavam do outro lado das grades da Febem. Tudo estanca quando se está enjaulado. Às vezes eu pensava que meu único e maior delito tinha sido ficar ali, paradão, esperando que tijolos fossem empilhados e muros se agigantassem em volta do que restava da minha infância. Era como se eu, por livre e espontânea vontade, tivesse me deixado devorar por aquele útero de cimento, grades de ferro e arame farpado, que fora construído de modo estratégico para dissolver o que ainda restava da minha ingenuidade de pivete de rua. Nesse sentido, a Febem era uma excelente escola. Lá dentro a gente aprendia na marra que, para se manter boa e inabalável, a sociedade precisa produzir em séries intermináveis a culpa e os futuros criminosos. Sem os marginais o mundo perderia suas máscaras. A Febem era uma fábrica de culpados.”

[...]

“Dia sim, dia não, quando consigo descolar uns trocos nas esquinas, compro algumas latas de tinta e saio por aí rabiscando desenhos e escrevendo estas memórias, que são minhas e também de muitos outros iguais a mim. Uma palavrinha deixada às pressas aqui, outra mais adiante. Frases soltas e certamente mal escritas que eu, bem no fundo, sei que jamais serão lidas. Ou ainda: talvez tudo isso seja mera ilusão... E se aquele tiro me pegou mesmo pelas costas, lá na calçada, quando eu fugia dos manos? Ora, se estou morto, então todo o resto foi e ainda é apenas um delírio, um sonho bom que veio pra me salvar do medo, da dor, do desperdício de ter vivido tão pouco. Mas como saber se ainda estou vivo ou se já morri, se todos nas calçadas continuam olhando pra minha cara de fome e pros meus trapos sujos e não enxergam nada?”

(Dois trechos do meu romance juvenil MEMÓRIAS DO ASFALTO, lançado pela Desatino em 2007. Temas e discussões ainda atuais. Infelizmente, talvez nunca saiam dos noticiários do Brasil.)


terça-feira, 9 de outubro de 2018

Salve-se quem puder (ou souber atirar)





Os da geração dos meus pais costumavam ter armas de fogo em casa. Naquele tempo, como dizem, a violência urbana não era tão assustadora quanto hoje e a educação (principalmente, a pública) tinha qualidade. Tios, vizinhos, amigos das famílias possuíam armas de fogo em casa. Era muito comum ter arma em casa (legalizada ou não). Também, naquele tempo, não havia tanto uso de drogas ilícitas. Ah, sim, o consumo de álcool também era comum. Nos lares, também era comum pais exagerarem nos tragos e, cheios de “razão”, voltarem para casa com arma em punho para infernizar esposa e filhos. Mas essas tragédias familiares, embora bem conhecidas, eram veladas, ninguém se atrevia a intervir. Não se denunciava, muitos cresciam com isso, calados, cheios de traumas. Outros, infelizmente, nem cresciam. Sim, também era bem comum as crianças terem revólveres, pistolas, espingardas e metralhadoras de brinquedo.   

Daí veio a proibição de armas de fogo (reais ou de brinquedo) e de outras drogas que foram surgindo (cara geração tem as suas válvulas de escape, sempre foi assim). E a educação (principalmente, a pública) foi se deteriorando. Nisso, pais, talvez mais “amorosos”, mas cada vez menos comprometidos com o ofício de educar seus filhos, passaram a culpar a escola pela falência da educação. A escola pôs a culpa no governo. Conservadores e fanáticos religiosos demonizaram a televisão. E assim por diante. Porém ninguém ainda pôs a mão na consciência para fazer o “mea culpa”.

O resultado: cadeias abarrotadas e escolas entediantes, vazias. Cadeia, a princípio, seria para corrigir, tentar ressocializar os “desgarrados”. Mas não, foi transformada em depósito de rejeitados, “universidade” para aprimorar bandidos. Escolas? Elas perderam a graça, não sabem mais como manter a atenção e o interesse dos alunos. 

Bem, se chegamos a esse ponto, é melhor que o discurso (para ser menos distorcido e hipócrita) seja: “Sim, falhamos enquanto sociedade e não tem mais volta; o melhor é entregar uma pistola para cada um cuidar de si. Os melhores atiradores sobreviverão.”

Mas que “melhores” serão esses? Sinceramente, não sei se quero estar lá, na outra ponta, entre esses “melhores”; não me vejo na pele de alguém com o "direito" de matar uma pessoa. Ainda que por defesa ou acidente, quem mata ou matou carregará um cadáver nas costas para sempre. Nunca consegui concordar nem mesmo com caça a animais. Sim, talvez eu esteja fora de contexto e seja agora uma pessoa “antiquada”, já fora dos atuais catálogos sociais urbanos que, usados nos tempos da barbárie, voltaram a ditar as “novas” regras de comportamento (e de sobrevivência).

Um parêntese: Da minha adolescência, lembro de um colega nosso de escola, filho de uma querida professora, cuja família tinha arma de fogo em casa. Um dia, essa família recebeu a notícia de que aquele nosso colega tinha estourado os miolos. E ele havia feito isso com a arma que a sua família tinha em casa. Claro, mesmo que não tivesse arma de fogo ao alcance da mão, o jovem teria buscado outra forma de morrer. Quem quer mesmo se matar, sempre encontra um jeito. Mas foi com a arma que estava em casa que ele cometeu o suicídio. Imagino que aquela família jamais esqueceu a tragédia e talvez se culpe por ter "facilitado" a morte de alguém tão amado. É bom pensar nisso antes de sair por aí, defendendo o porte de armas e pensando que a bala só atingirá o "inimigo". Não, a história pode ser outra.


quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Dicas básicas para uma vida a dois



A vida de um casal (qualquer tipo de casal) talvez possa ser resumida em:

Bodas de Atração
Bodas de Sedução
Bodas de Conquista
Bodas de Desejo
Bodas de Compartilhamento
Bodas de Resignação (ou Resiliência)
Bodas de Cárcere
Bodas de Tédio
e
Bodas de Separação (ou, no extremo, de Sangue)

Por causa dessa última fase (às vezes, difícil de ser evitada) é que sou contra a qualquer tipo de arma em casa. Facas e garfos, somente de plástico. Vidros, loucas e afins, nem pensar. Baratas? Danem-se as baratas e os ratos! É melhor se acostumar com eles do que ter veneno em casa. Dormir: em quartos separados (trancando bem a porta). Também é aconselhável o casal não morar em andares muito altos e passear apenas em lugares públicos (de preferência, com muita gente em volta e um posto policial por perto). Que me perdoem os iniciantes e os românticos, mas é assim mesmo. O.k., não vou ser tão pessimista. É claro que não é assim com todos os casais. Apenas com quase todos. Melhorou?


terça-feira, 7 de agosto de 2018

Livro caro





Ontem, durante uma ótima entrevista no Conversa com Bial, um importante editor explicou que o livro perdeu o sentido de valor, e que isso é um dos principais fatores da eterna falta de leitores no país (realidade diferente da de outras partes da América Latina). Aqui, por exemplo, para ir ao cinema (hoje, quase todos em shoppings ou bem distantes de casa) é preciso pagar, além do ingresso, também o valor do estacionamento (ou da locomoção). Aquele passeio, ou aquela diversão, durará, no máximo, duas horas. Pelo mesmo (ou até menor) valor, compra-se um bom livro e a leitura demandará dias, semana(s), até mais tempo.

Estudantes universitários também usam a mesma desculpa para justificar as cópias feitas durante os cursos de graduação: "Livro devia ser mais barato".

Certa vez, num bate-papo com professores e estudantes em uma conhecida faculdade de São Paulo, rebati essa "argumentação", dizendo:

"Pelo visto, quase todos aqui vêm de escolas particulares. Durante os ensinos fundamental e médio, os pais de vocês foram obrigados a comprar material escolar e toda aquela pilha de livros que, no final do ano, não serviriam para mais nada. No entanto, agora, quando vocês teriam que investir em obras que formarão a biblioteca imprescindível para o exercício da profissão que escolheram para o resto da vida, preferem ir para o boteco beber cerveja nos finais de semana. Em vez de comprar livros, fazem cópias de capítulos. Em vez de ler a obra inteira, leem trechos para as provas  muitas vezes, infelizmente, incentivados pelos próprios professores. Eu, sendo franco, quero ser atendido por um médico que não se formou lendo trechos de medicina, porque não terei uma doença pela metade e precisarei de um tratamento completo para poder me curar. E assim por diante com advogados, engenheiros etc." *

Riram do que eu disse. Constrangidos, mas riram, sim.

Pois é... Quando um povo acha que o livro é caro demais e que o boteco vale mais a pena do que ler, qual futuro terá?

* Não vou ser hipócrita; também copiei livros na faculdade. Mas os principais, comprei. Sem grana e desempregado na época, não sei como consegui, mas comprei, sim (ou peguei emprestado na biblioteca). Os capítulos lidos em cópias sempre me deixavam frustrado; a informação contida naquela obra (e o pensamento do autor) não se completava. Mais adiante, sempre que possível, comprei a obra completa e li – até mesmo para poder editar outros autores que utilizaram aquelas referências bibliográficas.


quarta-feira, 4 de julho de 2018

Genet, o profeta maldito



Era 1969, e o teatro paulistano apresentava uma missa profana em plena ditadura militar. O texto, do arredio Jean Genet: "O balcão". Direção lúdica e futurista do franco-argentino Victor Garcia. Na produção e em cena: Ruth Escobar. Ela teve que "implodir" palco e plateia do seu teatro na Rua dos Ingleses para dar espaço à montagem deste argentino genial (e tbém "insano", no melhor sentido da palavra). A confecção/concepção dos cenários foi de Wladimir Pereira Cardoso. No elenco, dezenas de atores (alguns que se consagrariam mais tarde, como Célia Helena, Jofre Soares, Lilian Lemmertz, Ney Latorraca, Paulo César Pereio, Raul Cortez, Carlos Augusto Strazzer e Teresa Rachel, entre outros). 
Um grande bordel com arquétipos do poder: bispo, chefe de polícia, general, rebeldes etc. Visto dos bastidores, o poder é um grande cabaré, um palácio para realizar sonhos impossíveis e satisfazer desejos mundanos. Sempre foi assim, nunca mudará.
O povo, nessa montagem a plateia assistia a tudo em vários andares/ângulos, foi transformado em "voyeur", aquele que espia, se comove, se excita e, de vez em quando, se revolta (porém raramente interfere para mudar a "trama"; precisa da cena como ela é para poder continuar incógnito no seu sofrimento ou deleite). No bordel/poder, todas as personagens têm que representar muito bem os seus papéis. Assim, as engrenagens, dentro e fora do sistema, funcionam perfeitamente.  

"O JUIZ [ao carrasco e à puta que faz o papel da ladra] - Bem. Até agora tudo bem. Meu carrasco espancou com força... pois também ele tem sua função. Estamos ligados: você, ele e eu. Por exemplo, se ele não espancasse, como é que eu poderia impedi-lo de espancar? Portanto, deve bater para que eu intervenha e prove minha autoridade. E você, deve negar para que ele bata cada vez com mais força."

As interpretações do elenco da época podem parecer exageradas (para os padrões atuais), mas a encenação continua beeeeem à frente daquele tempo e, principalmente, dos dias de hoje. 
Ver imagens como estas chega a me dar vergonha por termos voltado às cavernas (social, cultural e politicamente).
Sempre quis ver a montagem. Agora, pelo menos, vinte e poucos minutos estão disponíveis neste link:








segunda-feira, 26 de março de 2018

A volta dos que nunca foram de fato




Morros cariocas ameaçam descer e Tuiuti põe o dedo na ferida de muitos. Praticamente, a resposta vem no dia seguinte: milicos nas ruas do Rio. Esse é um claro sinal de manobra política, mais para abafar a derrota das reformas na previdência do que uma preocupação real com a violência. Perigosa, muito perigosa essa manobra. Mas, como nos anos 1960, a classe média pediu novamente “ordem e progresso”. Alguns pobres iludidos, também. Em país maduro, não é governo ou milico, mas toda a sociedade se comporta com seriedade. Não temos isso aqui, talvez nunca tenhamos.

Recentemente, em uma entrevista para a TV, um europeu disse que em países como a França, por exemplo, é clara a divisão: todos sabem que os ricos comandam tudo – portanto, são os verdadeiros inimigos do povo. Com isso em mente, a população sabe como agir para impor limites à exploração. Já em países subdesenvolvidos, a classe média, além de ser inimiga dos pobres, tem a ilusão de fazer parte da classe dos que sempre mandaram em tudo. Sem união, classes média e baixa perdem a força de luta por direitos; são facilmente controladas.


Os discursos para atacar a luta por igualdade de direitos é antiga, ainda ouvimos brados insanos de “o Brasil não será uma nova Cuba”. 


Depois do impressionante desenvolvimento econômico da China (o salário mínimo é maior que o do Brasil e o gigante vermelho ataca o mundo com a maior arma do capitalismo: o consumo desenfreado), e ainda essa velha ladainha de “comunismo miserável e nefasto”? 


Ora, a maior parte das pessoas que conheço é de aposentados e assalariados, poucos conseguiram adquirir bens muito significantes ao longo da vida, e todos ainda morrem de medo de perder o "quase nada" que conseguiram juntar. E foi no regime comunista que isso aconteceu? Não, nunca tivemos um regime comunista. 


Aliás, nem se sabe direito o que é viver em um regime comunista; não temos referências concretas, apenas o que lemos ou ouvimos dizer. Boatos, apenas boatos. Asneiras muito fáceis de difundir em um país com um índice alarmante de analfabetos funcionais (em todas as esferas da sociedade).

O que todos vivenciamos é um sistema político e econômico perverso e corrupto há séculos: o capitalismo mesquinho e mambembe. E não é só aqui que isso existe. Semanas atrás, em Fort Lauderdale–Hollywood International Airport (Miami), um funcionário credenciado nos pediu propina para melhor despachar as nossas bagagens. E, mesmo assim, romperam sorrateiramente os lacres de uma das malas. E temos outros (maus) exemplos de gente que também quer levar vantagem por lá, como acontece aqui. 


Assim, penso que o melhor caminho é o de esquecer esse blá-blá-blá de “ameaça comunista” e tentar arrumar a nossa casa.


Não é uma maravilha de casa, nunca foi, talvez nunca seja, mas é a que temos.


Colocar milicos nas ruas é tentar apagar o incêndio jogando areia no fogo: pode abafar por um tempo, mas a labareda surgirá em outro lugar. Atacar não é o mesmo que enfrentar o problema. Com inteligência, não com força, é que se costuma resolver questões complexas como o avanço do crime organizado. O crime não se organizou do dia para a noite, isso demanda tempo, facilidades e ajuda de todo tipo. Em maior ou menor grau, todos nós somos cúmplices desse avanço da bandidagem (que também existe em todas as esferas sociais).




sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Depois do depois...



“Da minha cidade natal, saí cedo, quase menino. Demorei muito, muito tempo para voltar. Quando retornei, percebi que casas e pessoas da minha história já não existiam mais. É difícil enfrentar isso; vai crescendo um vazio por dentro, a vida já não tem o mesmo sentido de antes. Revisitar um lugar, mas sem poder encontrar o que ainda está muito bem guardado na nossa memória, é devastador. Melhor nem pôr novamente os pés lá, naquele passado distante, deixar tudo aquilo apenas na lembrança. Fazer esse caminho de volta pode ser muito doloroso para alguns. A verdade é que muitas vezes vamos para longe, e cada vez mais longe, para depois, quando já passou tempo demais, descobrir que o melhor caminho era o de volta para casa. Foi o que aconteceu comigo quando resolvi visitar o casarão em que eu havia passado a infância e quase toda a minha adolescência. Nas redondezas, comecei a perguntar pelos amigos e vizinhos daquela época. A casa agora era um edifício de três andares, havia uma grande loja embaixo. Das pessoas, ninguém sabia. Nem de mim. Eu era apenas um estranho perguntando a estranhos o paradeiro de outros estranhos. Acho que saudade é isso: querer rebobinar os rolos de um filme corroído e mudo de um tempo que não existe mais.” 

(Trecho de “Verão sem sol”.
© F.G.)

domingo, 28 de janeiro de 2018

DE CARA-PÁLIDA PARA CARA-ESPICHADA



Olhando lá do futuro, imagino que alguém vai ver que o grande problema da humanidade foi a briga insana com os relógios e calendários.

Quando crianças, querem ser adolescentes.
Quando adolescentes, querem ser adultos.
Quando adultos, voltam a agir como crianças/adolescentes.
Quando velhos, começam a “malhar” o corpo que nem condenados, espichar a cara até não poder mais e arranjar amantes bem mais novos para disfarçar a idade.

Nesse descompasso, em vez de viver de verdade, todos interpretam personagens tragicômicos (muitas vezes, caricatos).

Para piorar a situação, agora querem aumentar a expectativa de vida para além dos 100 anos. 

Mas pra quê? 

Morra na hora que tiver que morrer, diabo! De preferência, discretamente, sem fazer tanto alarde! Pare de ser ridículo!


domingo, 21 de janeiro de 2018

Indo por aqui (ou por lá)




Os Maias podem ter se enganado: às vezes, tenho a sensação de que o “mundo” acabou para mim entre agosto e setembro de 2013, naqueles 30 dias de internação, quando fui submetido a duas neurocirurgias de alto risco. 
Morri, e meu purgatório particular é ter vindo parar neste tempo estranho. Não me reconheço nele, nem ele me reconhece mais. 
Agora, somos dois estranhos. 
Será que morrer é isso: passar para uma realidade paralela (e bem mais absurda que a anterior)? 


segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

De Maria Callas a Pabllo Vittar (passando por Dercy Gonçalves)




Não sei se essas listagens são verdadeiras, mas dá para refletir um pouco sobre a diferença, não da “qualidade” artística, mas do público. 

Se a segunda lista enumera esses outros artistas do momento, é porque a sociedade foi se tornando mais acomodada intelectualmente, imediatista e, digamos, de “gosto” mais rasteiro? Sinceramente, não sei responder (nem quero). 


Ora, o artista oferece o “peixe” que ele tiver para vender, compra quem quiser. Se, num mercado de peixes, agora o consumidor preferir “sardinha”, que se farte com sardinhas. O menos importante é a sardinha oferecida no mercado ou servida no prato, mas o movimento que os cardumes farão para sobreviver aos ataques dos predadores e, talvez, subverter a ordem estabelecida. O tempo fará a seleção natural. E tudo se ajeitará daqui a pouco. 


O fast-food acabou com a alta culinária? 


O prêt-à-porter acabou com a alta-costura? 


O rock and roll acabou com a ópera? 


Os quadrinhos acabaram com a prosa?

A telenovela acabou com o teatro ou com o cinema? 


Não. 


Cada gênero em seu contexto e com o seu público. Cada geração tem as suas preferências. 


O que não acho bacana (nem saudável) é o patrulhamento. Pois que cada um faça o que bem entender e tente ser feliz dentro daquele seu universo de possibilidades. O meu é o meu. O dos outros, que continue com os outros.


Para encerrar esta minha “profunda reflexão” de início de semana, deixo aqui um desabafo da grande “filósofa” Dercy Gonçalves: 


“Se Deus, que é tão sábio, deu um c... para cada ser, por que diabos eu vou querer cuidar do c... dos outros ou deixar que cuidem do meu c...? Ah, que todos vão tomar no c... deles e me deixem viver em paz com o meu c... de velha!”  


Obs.: na primeira lista, por exemplo, eu jamais colocaria um ou outro artista. Mas é questão de gosto e de referências pessoais. Apenas isso. Não tem cabimento criar uma guerra mundial por causa disso, né? Tem coisa bem mais importante para ser discutida.



segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Roda Gigante, filme de Woody Allen





Já fazia algum tempo que eu não sentia mais tesão em ver os filmes anuais do Woody Allen, aqueles com verbas/patrocínios para mostrar cidades pelo mundo, que mais pareciam um longo e pueril anúncio de turismo. Que bom que o diretor voltou ao seu “reduto” existencial para mostrar cenas do cotidiano. É como se o cineasta reencontrasse suas lentes dos tempos de Mia Farrow, a atriz e ex-mulher dele que dizem ser muito temperamental e problemática. Ótimo que seja uma pessoa temperamental e problemática, pois essas são bem mais interessantes e inspiradoras que as pessoas “normais”. 

Neste novo filme, embora Allen cite nas falas o dramaturgo Eugene O’Neill (sempre cita vários criadores em seus filmes), vi mais outro grande autor em Roda Gigante: Tennessee Williams... nas relíquias de um suposto passado de glória e no delírio etílico da garçonete/dona de casa entediada e adúltera, personagem interpretada pela sempre competente Kate Winslet. Isso me lembrou muito a conturbada Blanche DuBois, da peça Um bonde chamado desejo, do Williams. Os demais atores estavam, como sempre, bem dirigidos por Woddy Allen. 

Vibrei com as discussões realistas e a dramaticidade pungente do filme. 

Assim como na vida real, não há um final feliz em Roda Gigante, porque não existe mesmo final (feliz ou infeliz) na vida das pessoas. Vida é como esse brinquedo dos parques: uma hora põe a gente lá no topo, depois faz quase arrastar os pés no chão. E volta a subir... Mas quem quiser, pode descer ou pular da roda em movimento. Cada um que decida por si a sua hora de parar de “brincar”. Mas a roda, como se nada tivesse acontecido, continuará em movimento. Claro que queremos (ou precisamos) acreditar que tudo vai parar quando descermos... Só que nada vai parar, não. Nem deve. A roda gigante da vida dos outros continuará girando. E o esquecimento se encarregará do resto.