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terça-feira, 9 de outubro de 2018

Salve-se quem puder (ou souber atirar)





Os da geração dos meus pais costumavam ter armas de fogo em casa. Naquele tempo, como dizem, a violência urbana não era tão assustadora quanto hoje e a educação (principalmente, a pública) tinha qualidade. Tios, vizinhos, amigos das famílias possuíam armas de fogo em casa. Era muito comum ter arma em casa (legalizada ou não). Também, naquele tempo, não havia tanto uso de drogas ilícitas. Ah, sim, o consumo de álcool também era comum. Nos lares, também era comum pais exagerarem nos tragos e, cheios de “razão”, voltarem para casa com arma em punho para infernizar esposa e filhos. Mas essas tragédias familiares, embora bem conhecidas, eram veladas, ninguém se atrevia a intervir. Não se denunciava, muitos cresciam com isso, calados, cheios de traumas. Outros, infelizmente, nem cresciam. Sim, também era bem comum as crianças terem revólveres, pistolas, espingardas e metralhadoras de brinquedo.   

Daí veio a proibição de armas de fogo (reais ou de brinquedo) e de outras drogas que foram surgindo (cara geração tem as suas válvulas de escape, sempre foi assim). E a educação (principalmente, a pública) foi se deteriorando. Nisso, pais, talvez mais “amorosos”, mas cada vez menos comprometidos com o ofício de educar seus filhos, passaram a culpar a escola pela falência da educação. A escola pôs a culpa no governo. Conservadores e fanáticos religiosos demonizaram a televisão. E assim por diante. Porém ninguém ainda pôs a mão na consciência para fazer o “mea culpa”.

O resultado: cadeias abarrotadas e escolas entediantes, vazias. Cadeia, a princípio, seria para corrigir, tentar ressocializar os “desgarrados”. Mas não, foi transformada em depósito de rejeitados, “universidade” para aprimorar bandidos. Escolas? Elas perderam a graça, não sabem mais como manter a atenção e o interesse dos alunos. 

Bem, se chegamos a esse ponto, é melhor que o discurso (para ser menos distorcido e hipócrita) seja: “Sim, falhamos enquanto sociedade e não tem mais volta; o melhor é entregar uma pistola para cada um cuidar de si. Os melhores atiradores sobreviverão.”

Mas que “melhores” serão esses? Sinceramente, não sei se quero estar lá, na outra ponta, entre esses “melhores”; não me vejo na pele de alguém com o "direito" de matar uma pessoa. Ainda que por defesa ou acidente, quem mata ou matou carregará um cadáver nas costas para sempre. Nunca consegui concordar nem mesmo com caça a animais. Sim, talvez eu esteja fora de contexto e seja agora uma pessoa “antiquada”, já fora dos atuais catálogos sociais urbanos que, usados nos tempos da barbárie, voltaram a ditar as “novas” regras de comportamento (e de sobrevivência).

Um parêntese: Da minha adolescência, lembro de um colega nosso de escola, filho de uma querida professora, cuja família tinha arma de fogo em casa. Um dia, essa família recebeu a notícia de que aquele nosso colega tinha estourado os miolos. E ele havia feito isso com a arma que a sua família tinha em casa. Claro, mesmo que não tivesse arma de fogo ao alcance da mão, o jovem teria buscado outra forma de morrer. Quem quer mesmo se matar, sempre encontra um jeito. Mas foi com a arma que estava em casa que ele cometeu o suicídio. Imagino que aquela família jamais esqueceu a tragédia e talvez se culpe por ter "facilitado" a morte de alguém tão amado. É bom pensar nisso antes de sair por aí, defendendo o porte de armas e pensando que a bala só atingirá o "inimigo". Não, a história pode ser outra.


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