Lembro que um dia, sempre
muito sarcástico, meu pai me disse que, quando jovem, também não gostava de ir a
cemitérios. Estava, na verdade, rebatendo um comentário que eu havia feito
sobre a inutilidade de homenagear mortos,
levar flores...
— Pra que perder tempo,
se não existe mais nada ali? — completei.
E não há mesmo, ele
concordou, acrescentando que, de fato, isso era muito besta, mania de velho ir
visitar túmulos, retratos, ossos secos empilhados, enfim, um passado que não
existia mais. Pensava dessa forma. Era jovem. E quando se é jovem, tempo é coisa que
não passa nunca. Morrer, sentir saudades... Ah, coisa de gente
velha, saudosismo inútil! O que importa é a vida! E
finalizou, referindo-se ao tempo:
— Acontece que, muito paciente, ele te aguarda lá na outra ponta. Quando a
gente acorda, tudo já se foi. Daí, ficam essas lembranças enfileiradas nos
corredores de pedra e cimento, esse vazio dentro e fora, essa vontade de voltar lá atrás, fazer tudo de novo,
mas sem toda aquela urgência idiota de quando se é novo demais, entende, filho?
Talvez com outras
palavras, foi isso que ele tentou me dizer. Talvez com outras palavras, foi
isso que, ainda muito jovem e arrogante, pude entender daquilo que meu velho quis me fazer
enxergar antes do meu tempo de ver as coisas do mesmo modo que ele via. Hoje, talvez com outras palavras, percebo que entendo cada
vez mais o que meu pai (vejam a ironia: aposentado como relojoeiro, profissão que se perdeu justo no tempo) me ensinou sobre a velocidade das horas, o egoísmo e a presunção. Será que envelhecer
é isso: ir se aproximando dessa outra ponta para, aí sim, começar a entender o real
significado da saudade? Não, nem é preciso responder; estou velho, sentindo essa vontade louca de começar a visitar os meus mortos.
*Para Elcy Tavares e Rogério Tavares.
Simplesmente LINDO o texto.
ResponderExcluirParabéns!! Vc está cada vez melhor...
Muito lindo mesmo!Parabéns!
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