Pouco antes da virada do século passado, viajei para a Europa, mais especificamente Espanha, França e Inglaterra. No restaurante do hotel de Madri, deparei com uma conterrânea, professora de francês aposentada, que, na companhia de sua amiga inseparável, tentava fazer as pazes consigo mesma para, depois, quiçá poder resgatar a alegria perdida após o trauma inicial de um diagnóstico de melanoma (com metástases).
— Sabe, Felipe —
ela me disse, depois de um longo e prazeroso gole de vinho tinto —, um dia, a
gente dorme com cabeça de moça, corpo de moça, tudo de moça... mas, na manhã
seguinte, acorda com cinquenta, cem anos. Numa única noite, a velhice vem, toma
conta de tudo. E é aí que, de mãos dadas com ela, vem a saudade, vem a angústia,
vem essa vontade imensa de ter feito muita coisa de outra forma. A realidade se
impõe soberana sobre as nossas crenças pessoais, entende? A verdade é que a
gente perde muito tempo acreditando em coisas que, no fundo, não servem pra
nada. Acredita por imposição, porque os outros nos enfiam goela abaixo uma
fé que, de fato, não nos diz coisa alguma. E qual é, afinal, a sua fé verdadeira?
Hein, Felipe?
Não respondi. Não sabia o que dizer.
— A minha... — ela prosseguiu. — Bem, a minha é beber agora, bem devagar, essa taça de
vinho. O resto já não tem a menor importância.
Estendeu a taça. Brindamos.
Horas mais tarde, nos separamos. Ela iria para Holanda, Itália e Portugal, não
necessariamente nesta ordem. Eu seguiria em outra direção. Diferente da minha,
a dela era uma viagem a um só tempo de encontro e de despedida; disposta a não aderir
aos tratamentos do câncer, ela simplesmente deixaria a morte trabalhar em seu
corpo, sossegada.
Eu, na época com 33
anos, ainda não tinha como entender a fundo o que ela havia tentado me dizer. Porém,
jamais esqueci; nunca me esqueço de acontecimentos que de algum modo mexem
comigo... me retiram da minha zona de segurança.
Hoje, um dia antes
de completar 45 anos, acordei com essa lembrança revigorada... Não, não me
empolguei muito com a Europa, dormi pesado nos hotéis a maior parte da viagem.
Os museus e as velhas construções, depois de um tempo, me entediaram – aliás,
depois de algum tempo, quase tudo me entedia. Aquelas férias valeram
mesmo pelos encontros maravilhosos que tive (principalmente, comigo mesmo, embora ainda não soubesse disso). Alguns acontecimentos na vida da gente são como sementes microscópicas
plantadas para germinar e crescer na hora certa, florescer quando a beleza,
a magnífica coloração e o extraordinário perfume de suas flores possam ser realmente
apreciados. É o que pode estar acontecendo comigo agora... Será? Tomara!
Tim-tim! Feliz
aniversário pra mim!
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