Nesse novo trabalho,
com desabafos de mulheres que fui conhecendo ao longo da vida (cresci no salão
de beleza da minha mãe), tento captar as vozes (muitas em primeira pessoa) de
pessoas que viveram sem medo de viver. Não é fácil. Sou homem, e estar ali,
como mero “registrador” desse universo feminino e tão particular, não deixa de
ser uma intervenção, um olho do outro lado da fechadura, de voyeur ou espião. Há
as loucas, as apaixonadas, as viciadas, as putas, as que se anulam, as que
enfrentam, as que vencem. Na que estou agora timidamente tentando ganhar a sua confiança,
é de uma mãe, mulher intelectual, de casamento tido como perfeito, filhos
gêmeos marido bem-sucedido, oficial do Exército, aquele que era o sonho de
qualquer mulher do colégio e da faculdade. Um dos gêmeos, o que mais se
destacava em tudo, numa bela noite de Ano Novo, já adolescente, depois de
beijar todos na mesa, vai para o quarto dos pais e, logo depois, ouve-se um
disparo de pistola automática. O mais belo dos gêmeos está morto, rosto
destruído... e deixa de herança uma condenação a todos: “por que fez aquilo?”
Aos poucos, todos se calam na casa. São estranhos sob um mesmo teto. A mãe
mantém o quarto do filho morto intacto. Prepara ainda o bolo favorito dele e
leva ao túmulo, com velas e tudo, para comemorar o aniversário. “Era um menino
tão alegre, mas infeliz. Ninguém percebeu isso.”, diz a mãe, e se culpa por não
ter se dado conta de nada. “A gente sempre vê o que quer ver deles, nunca como
os nossos filhos são de verdade”, desabafa em determinado momento.
Penso que hoje, nas
redes de solidão, muitos querem mostrar o que gostariam que os outros vissem,
não o que são de fato. Um tipo de suicídio homeopático é matar a nossa
verdadeira natureza.
Vejo isso muito na arte
em geral: artista começa a morrer quando quer apenas o reconhecimento, o
sucesso, a fama. O artista que está preso a essa ideia de sucesso, vai se
matando a cada novo trabalho. Artista não é, nem pode ser escravo de nada.
Artistas genuínos colecionam mais fracassos que sucessos. O tempo é que
corrigirá isso mais adiante. Se teme e sofre com os fracassos, é um operário da
arte, não um artista de verdade. O suicídio do filho amado é uma metáfora aos
tempos atuais. Contudo, não sei se essa mãe muito ferida vai se abrir totalmente
comigo. Vamos ver. De vez em quando ela me dita coisas. Depois passa meses calada.
"Oh, pedaço de mim / Oh, metade
arrancada de mim / Leva o vulto teu / Que a saudade é o revés de
um parto / A saudade é arrumar o quarto Do filho que já morreu”
(“Pedaço de mim”, Chico Buarque)
Sugiro essa entrevista
recente do Woody Allen. Tenho quase todos os livros dele. Do cinema, já não
curto essa última fase. SETEMBRO (lançado em 1987), na minha opinião, ainda é imbatível.
Aqui, o link para a
matéria:
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