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sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Mais do mesmo (parte 2)



    
Certa tarde, ao me sentar no fundo de uma lotação, encontrei um celular no banco. Novo, bem mais moderno que o meu. Olhei em volta, perguntei se alguém tinha visto quem havia esquecido o aparelho. Nenhuma resposta, sequer olharam para mimé triste, mas, em São Paulo, isso é cada vez mais comum, digo, essa indiferença. Solidariedade, então, nem se fala.

Fui até a cobradora – que, aliás, não parava de falar ao celular – e disse:

— Esqueceram, moça.

Ela, sem interromper o papo, olhou de soslaio na minha direção. Insisti:

— Desculpe, mas posso deixar com você?

Um pouco mais "solícita", ela deu de ombros e agora, sim, virou a metade de cima do corpo e estendeu a mão, unhas longas, impecavelmente pintadas. Entreguei o aparelho para a fulana, que seguiu falando animadamente sobre o casamento de não sei quem que tinha ido pelos ares depois de uma briga de socos e pontapés que acabou na delegacia e blablablá!

Meu ponto era o próximo. Dei o sinal. A lotação parou. Portas abertas, fui me preparando para descer. Último degrau, e escuto a tal cobradora comentar esfuziante:

— Escuta essa, amiga: algum otário esqueceu um celular novinho! É, novinho! Vou dar pra minha mãe; não tinha presente mesmo pra dar de aniversário pra ela, tô dura...

Pois é, e tantos comentários ácidos nas redes sociais sobre a roubalheira dos políticos etc. Só políticos roubam? Só no meio político é que existe corrupção e falta de ética? Ética, esta palavra ainda consta nos dicionários?

Voltando para casa, lembrei do que minha mãe vivia recomendando quando eu ia de uniforme azul e branco para a Escola Municipal Marechal Cândido Rondon, bem no início da minha alfabetização:

— Olha lá, não responde feio para a professora, hein? Obedece direitinho. Se não te oferecerem merenda, não peças. Não quero que pensem que teus pais não sabem te dar educação. Escola é para ganhar conhecimento, educação se leva de casa...

Sábias palavras, mas, infelizmente, acho que já sem muito contexto em tempos de pós-modernidade – ou seria mais apropriado dizer: de retorno à barbárie?

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Mais do mesmo (parte 1)



Noite que deveria ser de festa para os apaixonados por futebol: Corinthians foi campeão lá... do outro lado do mundo. Mas, de repente, em uma rua de mão dupla, que se torna cada vez mais estreita à medida que motoristas estacionam seus carros de qualquer jeito e em ambos os lados, um morador dá seta para entrar no portão do condomínio. Outro motorista, vestido com o uniforme do time vencedor, vem em direção contrária e bloqueia a passagem do tal morador.

— Dá ré aí, cara! Quero passar, porra!

— Eu estava primeiro, moro aqui, dei seta — argumenta o morador, família inteira no carro, crianças pequenas olhando assombradas.

Dali em diante, gritos, ameaças... até que aparece um policial, arma em punho.

— O que tá pegando aqui? — “Pegando”, exatamente o que ele disse.

Explicações de um e de outro, sendo que o “torcedor” parecia um pouco mais alterado que os demais. Daí, a coisa se complicou: o policial pediu para que o rapaz saísse do carro com as mãos para o alto, encostasse no muro...

— Cala a boca, arrombado! Encosta ali, seu filho da puta! E não me encara! Tá querendo me peitar, tá? Tá querendo meter banca pra cima da lei?

Nisso, já havia se formado um congestionamento na estreita rua Pasquale Gallupi, a um quarteirão da Giovanni Gronchi, principal avenida da região do Morumbi.

Não deu para ouvir direito, mas algo dito pelo corintiano desagradou mais ainda o policial, que começou a dar tabefes no rosto do rapaz, vários.

— Não olha na minha cara, seu bosta! Já disse, olha pro chão!

Alguns moradores, indignados com a cena, começaram a protestar.

— O senhor não pode fazer isso!

— O homem tá quieto!

A resposta do policial: — Vão se foder!

Outra viatura apareceu. Outro fardado, creio que de patente superior, passou a conduzir a “abordagem” ao “torcedor desbocado”. Com a presença desse segundo policial, o primeiro levou as mãos para trás e se portou como o mais equilibrado e obediente de todos os PMs.

Aos poucos, a rua foi sendo liberada. 
O interrogatório, porém, se arrastaria por mais alguns minutos. E, assim, a noite seguiu seu curso... Janelas se fecharam. Era melhor ver a novela das nove, que mostra o amor entre uma favelada e um agente da Polícia Pacificadora carioca. Melhor ainda com Roberto Carlos cantando ao fundo:

O cara que pega você pelo braço
Esbarra em quem for que interrompa seus passos
Está do seu lado pro que der e vier
O herói esperado por toda mulher


Por você ele encara o perigo
Seu melhor amigo
Esse cara sou eu

Com todo respeito, Glória Perez, mas seu folhetim devia se chamar:
"SALVE-NOS, JORGE!"

sábado, 10 de novembro de 2012

Medo de espelhos




Que sou um ser bastante desatento, já é sabido. Não tenho coragem de guiar carros, porque, andando a pé, consigo atropelar até mesmo orelhões. Imaginem um automóvel em minhas mãos! Pois é... Senta, que lá vem história!

Um dia desses, andando pelas ruas desertas do Morumbi (ou Murosbi, pois só há muros aqui, neste bairro metido a besta), percebi que as pessoas me olhavam mais do que de costume. Pior: olhavam e sorriam discretamente solidárias. Ao entrar no supermercado Pão de Açúcar, novos e cada vez mais insistentes olhares. E eu, que nem gosto de ter espelho em casa para não me assustar com minha cara e meu corpo cada vez mais derretidos pelo tempo, comecei a me sentir cortejado. Puxa, será que ainda sou capaz de seduzir?

De repente, um olhar mais demorado. Desviei, claro. É sempre bom bancar o difícil. Mas, de pois de certa idade, é melhor não exagerar. Não exagerei. Ao olhar de volta, fui logo correspondido. Outra vez. E mais outra. “Estou arrasando!”, pensei. Até que o fulano, que facilmente colocaria qualquer galã de Hollywood no chinelo, veio e indagou baixinho:

— Posso lhe dizer uma coisa?

Eu, sem pestanejar: — Claro!

Ele, encabulado: — Sua camiseta, ela tá do avesso...

Pois é. Voltei correndo para casa e terminei de quebrar o último espelho.

Como costumo dizer: se há vantagem em ficar velho... é saber que a gente está mais perto do fim. O resto é romance, história para vender livro. E disso, além da minha própria decrepitude, eu entendo bem. 

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Vida nova, outros planos


Em 1985, quando saí de Uruguaiana, ainda adolescente, para estudar e trabalhar em Sampa, disseram que eu só podia ter enlouquecido:

— Ir pra tão longe, pra quê? Todos os teus amigos foram para Porto Alegre, tens parentes lá! É mais fácil!

Já vivendo em São Paulo, ao pedir demissão de um emprego de divulgador de livros em uma grande editora para escrever roteiros de cinema na Boca do Lixo, mais protestos:

— Isso é uma loucura!  

Veio a Era Collor, e quase todos do cinema ficaram sem emprego. Por caridade, um tio me arranjou uma vaga no setor de faturamento de sua metalúrgica. E lá fui eu, de volta pro Sul, faturar pilhas de notas fiscais.

— Coitado, ele deve ter enlouquecido mesmo — diziam pelos cantos.

Mais adiante, no início da década de 1990, ganhei uma bolsa e fui estudar na Argentina:

— Você ficou louco?

Passado um tempo, recebi um convite e fui morar e trabalhar no Rio de Janeiro:

— Se você gosta tanto de São Paulo, morar no Rio pra quê? Ficou louco?

Pois quando consegui voltar a São Paulo, trabalhando na área de Comércio Exterior, bom salário, garantias e tudo mais:

— Você não queria escrever? Trabalhar em uma multinacional, ficou maluco?

Daí, quando larguei tudo e fui, finalmente, escrever (nome da editora: Desatino):

— Você tá louco se acha que vai viver disso!

E agora que, como autor, vou chegando ao fim da minha meta (escrever/publicar sete livros do Greco) e digo:

— Bem, meus caros, cumpri o prometido; é hora de partir para outra empreitada.

Em coro, rebatem:

— Deus do céu! Você só pode estar louco! E vai fazer o que com essa idade?

Penso (mas não muito, óbvio) e respondo:

— Talvez, como todo mundo, tentar ser feliz. Felicidade é coisa que vai mudando, conforme a gente muda.

Sim, acho que todos têm razão: sempre fui louco; não creio na eternidade das coisas, também não tenho medo da vida, menos ainda dos meus desejos (por mais transitórios que pareçam). Faço o que quero e sigo aquilo que me dá na telha. Porém, não deixo nada por fazer. Se sinto alguma vontade, logo sacio. Se começo, termino, vou até o fim. Custe o que custar. 

Obs.: vejam, pensei nisto agora... Quem sabe eu ainda não arranje filhos mais doidos que eu, uma mulher bem apaixonada, carola e faladeira, papagaio (cachorro danado já tenho), rugas de tédio, um pinto murcho e uma barriga enorme de chope... Mas acho que ainda assim alguns vão dizer: "Pois é, agora ele enlouqueceu de vez!" Ou seja: pra gente como eu, não há escapatória; nada estará de acordo com as expectativas.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Sagrada família e homofobia


Urbanidades, cena 1:
Numa noite dessas (quase madrugada), uma mulher, moradora do prédio ao lado, vinte e poucos anos, gritou desesperada: “Socorro! Ele vai me matar! Chamem a polícia! Estou sendo mantida em cárcere privado!” Em instantes, cabeças foram surgindo nas janelas vizinhas. Várias ligações sem sucesso para o número 190... Mas, “ato seguinte”, a mulher já estava na rua, agora gritando obscenidades para o suposto agressor, gesticulando e fazendo ameaças. Na sequência, retornou com a polícia, que entrou no prédio e saiu conduzindo o “carrasco”. No entanto, vejam só, foi o “facínora” que entrou no camburão, levando uma criança no colo, ainda de pijama e bastante assustada. A suposta “vítima” seguiu em outra viatura, ainda dizendo palavrões, muito nervosa, visivelmente fora de si. TPM? Bem, agora tudo é TPM.

A noite estava fria. A criança, agarrada com força ao pescoço do pai, tremia e chorava de medo. Certamente, seriam conduzidos até a delegacia mais próxima para prestar esclarecimentos sobre o ocorrido etc. 

De volta ao silêncio, fiquei confabulando comigo mesmo sobre o que, de fato, teria acontecido com aquela família? O que levaria uma mãe a pedir socorro e, após ser “liberada”, destilar todo seu ódio a plenos pulmões – mais intrigante ainda: sozinha, deixando o filho pequeno nas mãos do marido-monstro? De volta ao local onde alegara estar em cárcere privado, por que ela não foi logo “salvar” a criança das “garras do bandido”? Por que a criança não pulou logo nos braços da suposta mãe-vítima, preferiu o calor e o abraço do suposto pai-torturador? Com certeza, especulações que não teriam respostas. Dificilmente há respostas e/ou explicações, no mínimo, razoáveis para esse tipo de violência familiar contra crianças indefesas. Apenas marcas profundas, feridas que não cicatrizam.

Acontecimentos desse tipo, que envolvem brigas violentas de casais na frente dos filhos, ao me remeterem a questões antigas, atiçam meus fantasmas, assombrações que de vez em quando ressurgem dos meus porões para me atormentar. Um adulto pode discutir e até se engalfinhar com outro, mas jamais diante de crianças! Repito: jamais!

Ainda naquela noite, em associação nem tão livre assim, outra dúvida continuou a me intrigar: quando religiosos e moralistas de plantão lançam sua fúria contra o que chamam de “ditadura gay” (que nada mais é do que querer estender direitos de cidadania a essa parcela da população brasileira), será que também é para defender esse tipo de “sagrada família”? Esse é o modelo de família que deve ser protegido pela fé e pelo Estado? E vou mais fundo: ora, são os homossexuais (refiro-me aos assumidos, evidentemente) que abandonam mulheres e filhos? São eles/elas que, por acaso, ajudam a lotar os orfanatos e as latas de lixo com suas proles rejeitadas? São eles/elas que batem, humilham, exploram e violam crianças indefesas? Hoje, a impressão que se tem é a de que famílias heterossexuais que vivem em harmonia são a exceção, não a regra. Creio que aqui, então, vale a máxima: “É melhor olhar para o próprio rabo antes de apontar/condenar o próximo”. Mas, infelizmente, não é o que acontece. Pelo contrário. 

Mudando e ficando no mesmo: 
Semanas atrás, por coincidência, eu havia acompanhado pela tevê o discurso de um político da chamada bancada evangélica, no qual ele insistia que aprovar o PLC 122 (que criminaliza a homofobia; ver mais em: http://www.plc122.com.br) e reconhecer a tão temida parceria civil entre pessoas do mesmo sexo é um risco, “como está escrito na Bíblia”, para a sociedade de pessoas “sadias e normais”. E foi mais além: “seria transformar a pedofilia em algo normal, também a zoofilia, a necrofilia”, concluiu. Fiquei perplexo, não com a já esperada “santa ignorância” do tal parlamentar que, suponho, considera-se “sadio, normal e feito à imagem e semelhança de Deus”, mas com o desrespeito aos seus antepassados. Perseguições, lutas, chicotadas, torturas, mutilações, tanto sangue derramado para que um homem como ele, de descendência africana, pudesse hoje estar ali, eleito democraticamente, diante de uma maioria branca, discursando de modo livre... Será que toda essa ancestralidade guerreira não tinha lhe servido para nada? Além do fanatismo e da imbecilidade, pensei, quanta ingratidão desse ser que, pasmem, se considera um “homem de Deus”!

Um aparte: Sim, sou "intolerante" com a (palavra) "tolerância"!
Infelizmente, parece que a cegueira/arrogância não é apenas desse cidadão, mas geral (minha também). Nossa tão alardeada tolerância nos condena. Afinal, ser “tolerante” nada mais é do que reconhecer a inferioridade do outro. Ou seja: só consegue ser tolerante aquele que, por se considerar superior, é capaz de entender a inferioridade e as limitações do outro. Desconfio dela, e não gosto mesmo desta palavra: “tolerância”! É esnobe, equivocada, hipócrita.

Reflexão final: Disfarçada de pós-moderna e, por isso mesmo, evoluída, a sociedade seleciona e vai estocando seus futuros culpados. Com já escreveu João Silvério Trevisan no livro Devassos no paraíso: “A verdade é que a civilização sempre precisou de reservatórios negativos que possam funcionar como bodes expiatórios nos momentos de crise e mal-estar, quando então, por um mecanismo de projeção, ela ataca esses bolsões tacitamente tolerados.” 

Apenas para lembrar: nesses reservatórios "negativos" já estiveram (ainda estão?) putas, feministas, lésbicas, mulheres em geral, bichas,travestis, transexuais, povos indígenas, judeus, negros, nordestinos, macumbeiros, muçulmanos, espíritas, os próprios protestantes etc.    

Mais não digo. 
Apenas penso. 
E, claro, entristeço.

sábado, 23 de junho de 2012

Outros olhos




   Pouco antes da virada do século passado, viajei para a Europa, mais especificamente Espanha, França e Inglaterra. No restaurante do hotel de Madri, deparei com uma conterrânea, professora de francês aposentada, que, na companhia de sua amiga inseparável, tentava fazer as pazes consigo mesma para, depois, quiçá poder resgatar a alegria perdida após o trauma inicial de um diagnóstico de melanoma (com metástases).

— Sabe, Felipe — ela me disse, depois de um longo e prazeroso gole de vinho tinto —, um dia, a gente dorme com cabeça de moça, corpo de moça, tudo de moça... mas, na manhã seguinte, acorda com cinquenta, cem anos. Numa única noite, a velhice vem, toma conta de tudo. E é aí que, de mãos dadas com ela, vem a saudade, vem a angústia, vem essa vontade imensa de ter feito muita coisa de outra forma. A realidade se impõe soberana sobre as nossas crenças pessoais, entende? A verdade é que a gente perde muito tempo acreditando em coisas que, no fundo, não servem pra nada. Acredita por imposição, porque os outros nos enfiam goela abaixo uma fé que, de fato, não nos diz coisa alguma. E qual é, afinal, a sua fé verdadeira? Hein, Felipe? 

Não respondi. Não sabia o que dizer. 

A minha... — ela prosseguiu. Bem, a minha é beber agora, bem devagar, essa taça de vinho. O resto já não tem a menor importância.

Estendeu a taça. Brindamos. Horas mais tarde, nos separamos. Ela iria para Holanda, Itália e Portugal, não necessariamente nesta ordem. Eu seguiria em outra direção. Diferente da minha, a dela era uma viagem a um só tempo de encontro e de despedida; disposta a não aderir aos tratamentos do câncer, ela simplesmente deixaria a morte trabalhar em seu corpo, sossegada.

Eu, na época com 33 anos, ainda não tinha como entender a fundo o que ela havia tentado me dizer. Porém, jamais esqueci; nunca me esqueço de acontecimentos que de algum modo mexem comigo... me retiram da minha zona de segurança.

Hoje, um dia antes de completar 45 anos, acordei com essa lembrança revigorada... Não, não me empolguei muito com a Europa, dormi pesado nos hotéis a maior parte da viagem. Os museus e as velhas construções, depois de um tempo, me entediaram – aliás, depois de algum tempo, quase tudo me entedia. Aquelas férias valeram mesmo pelos encontros maravilhosos que tive (principalmente, comigo mesmo, embora ainda não soubesse disso). Alguns acontecimentos na vida da gente são como sementes microscópicas plantadas para germinar e crescer na hora certa, florescer quando a beleza, a magnífica coloração e o extraordinário perfume de suas flores possam ser realmente apreciados. É o que pode estar acontecendo comigo agora... Será? Tomara!    

Tim-tim! Feliz aniversário pra mim!

domingo, 29 de abril de 2012

Tempo, tempo, tempo, tempo...*


Lembro que um dia, sempre muito sarcástico, meu pai me disse que, quando jovem, também não gostava de ir a cemitérios. Estava, na verdade, rebatendo um comentário que eu havia feito sobre a inutilidade de homenagear mortos, levar flores...

— Pra que perder tempo, se não existe mais nada ali? — completei.

E não há mesmo, ele concordou, acrescentando que, de fato, isso era muito besta, mania de velho ir visitar túmulos, retratos, ossos secos empilhados, enfim, um passado que não existia mais. Pensava dessa forma. Era jovem. E quando se é jovem, tempo é coisa que não passa nunca. Morrer, sentir saudades... Ah, coisa de gente velha, saudosismo inútil! O que importa é a vida! E finalizou, referindo-se ao tempo: 

— Acontece que, muito paciente, ele te aguarda lá na outra ponta. Quando a gente acorda, tudo já se foi. Daí, ficam essas lembranças enfileiradas nos corredores de pedra e cimento, esse vazio dentro e fora, essa vontade de voltar lá atrás, fazer tudo de novo, mas sem toda aquela urgência idiota de quando se é novo demais, entende, filho?

Talvez com outras palavras, foi isso que ele tentou me dizer. Talvez com outras palavras, foi isso que, ainda muito jovem e arrogante, pude entender daquilo que meu velho quis me fazer enxergar antes do meu tempo de ver as coisas do mesmo modo que ele via. Hoje, talvez com outras palavras, percebo que entendo cada vez mais o que meu pai (vejam a ironia: aposentado como relojoeiro, profissão que se perdeu justo no tempo) me ensinou sobre a velocidade das horas, o egoísmo e a presunção. Será que envelhecer é isso: ir se aproximando dessa outra ponta para, aí sim, começar a entender o real significado da saudade? Não, nem é preciso responder; estou velho, sentindo essa vontade louca de começar a visitar os meus mortos.

*Para Elcy Tavares e Rogério Tavares. 

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Vão e aproveitem... mas não me chamem!

Não que eu abomine carnaval – nem poderia; tenho amigos e conhecidos que trabalham como carnavalescos, figurinistas, compositores, cantores etc. –, porém prefiro (cada vez mais) o silêncio, a tranquilidade e, principalmente, ficar sozinho no meu canto.

Eremita convicto, nem de música (em geral) eu gosto. E quando curto alguma canção, ouço baixinho e só.

Por isso, fico constrangido sempre que me convidam para ir a lugares com música ao vivo ou tocada em um volume acima do socialmente tolerável. Aliás, melhor que nem tenha conversa em voz alta ao redor – algo, aliás, que brasileiro adora fazer em locais públicos, ou seja, comer, beber e conversar aos berros! É quase nossa marca registrada.

Ora, se alguém me chama para conversar e me leva a um bar ou restaurante barulhento é sinal de que, na verdade, queria ouvir qualquer coisa, menos o que eu teria para lhe dizer. Sinto o mesmo quando, ao visitar alguém (coisa rara!), deparo com a televisão ligada na sala de estar. Se meu anfitrião deixou o aparelho ligado ou o ligou depois que cheguei, isso significa que minha presença não é bem-vinda naquele momento. Tudo bem, improviso uma desculpa qualquer, dou meia-volta e desapareço. É um direito de cada pessoa querer ou não receber visitas. Ainda mais a minha, que (tenho plena consciência disso!) não deve ser a coisa mais empolgante/excitante do mundo.
Mas que aproveitem bem os que curtem o reinado de Momo!

Não por acaso, moro em Sampa... Aqui, a folia "passa bem longe", literalmente.