Total de visualizações de página

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Saudade é saber que não tem mais volta





Nesse novo trabalho, com desabafos de mulheres que fui conhecendo ao longo da vida (cresci no salão de beleza da minha mãe), tento captar as vozes (muitas em primeira pessoa) de pessoas que viveram sem medo de viver. Não é fácil. Sou homem, e estar ali, como mero “registrador” desse universo feminino e tão particular, não deixa de ser uma intervenção, um olho do outro lado da fechadura, de voyeur ou espião. Há as loucas, as apaixonadas, as viciadas, as putas, as que se anulam, as que enfrentam, as que vencem. Na que estou agora timidamente tentando ganhar a sua confiança, é de uma mãe, mulher intelectual, de casamento tido como perfeito, filhos gêmeos marido bem-sucedido, oficial do Exército, aquele que era o sonho de qualquer mulher do colégio e da faculdade. Um dos gêmeos, o que mais se destacava em tudo, numa bela noite de Ano Novo, já adolescente, depois de beijar todos na mesa, vai para o quarto dos pais e, logo depois, ouve-se um disparo de pistola automática. O mais belo dos gêmeos está morto, rosto destruído... e deixa de herança uma condenação a todos: “por que fez aquilo?” Aos poucos, todos se calam na casa. São estranhos sob um mesmo teto. A mãe mantém o quarto do filho morto intacto. Prepara ainda o bolo favorito dele e leva ao túmulo, com velas e tudo, para comemorar o aniversário. “Era um menino tão alegre, mas infeliz. Ninguém percebeu isso.”, diz a mãe, e se culpa por não ter se dado conta de nada. “A gente sempre vê o que quer ver deles, nunca como os nossos filhos são de verdade”, desabafa em determinado momento.
Penso que hoje, nas redes de solidão, muitos querem mostrar o que gostariam que os outros vissem, não o que são de fato. Um tipo de suicídio homeopático é matar a nossa verdadeira natureza.
Vejo isso muito na arte em geral: artista começa a morrer quando quer apenas o reconhecimento, o sucesso, a fama. O artista que está preso a essa ideia de sucesso, vai se matando a cada novo trabalho. Artista não é, nem pode ser escravo de nada. Artistas genuínos colecionam mais fracassos que sucessos. O tempo é que corrigirá isso mais adiante. Se teme e sofre com os fracassos, é um operário da arte, não um artista de verdade. O suicídio do filho amado é uma metáfora aos tempos atuais. Contudo, não sei se essa mãe muito ferida vai se abrir totalmente comigo. Vamos ver. De vez em quando ela me dita coisas. Depois passa meses calada.

"Oh, pedaço de mim / Oh, metade arrancada de mim / Leva o vulto teu / Que a saudade é o revés de um parto / A saudade é arrumar o quarto Do filho que já morreu” (“Pedaço de mim”, Chico Buarque)


Sugiro essa entrevista recente do Woody Allen. Tenho quase todos os livros dele. Do cinema, já não curto essa última fase. SETEMBRO (lançado em 1987), na minha opinião, ainda é imbatível.  

Aqui, o link para a matéria: