Total de visualizações de página

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Cada um vê o camaleão que pode (ou quer)




A arte não tem uma função óbvia e prática. Não é, por exemplo, como consumir um prato cheio de comida. Ela provoca movimentos, desloca, tem a força transgressora de oferecer bem mais do que os nossos sentidos podem captar de imediato. Aguça lentamente outros canais de percepção do real. 

Não é item de cardápio de "fast-food". Faz parte da alta gastronomia (ainda que, num primeiro momento, o prato nos pareça abjeto/indigesto). Precisa de tempo, paciência e muita entrega (tanto do artista quanto do público). 

Quem ainda não tem esse grau de entendimento, certamente veria neste vídeo do "YouTube" apenas o bicho, a imitação de um réptil. Os intelectualmente limitados/despreparados, apenas duas mulheres nuas, uma exibição indecente que faz apologia à atração/relação lésbica.

Vem desse tipo de pensamento (curto) a ideia equivocada de que artistas são pessoas vagabundas, que vivem do dinheiro alheio. Ora, no fundo, todos nós vivemos de vendas de serviços e/ou mercadorias. 

Cada um vende o que tem de melhor a oferecer. Compra quem quiser e/ou puder.

A propósito, ateus como Michelangelo Buonarroti  e Leonardo da Vinci, graças ao generoso mecenato de religiosos e grandes monarcas, deixaram obras magníficas exatamente sobre o que eles não acreditavam. Exemplos nesse sentido não faltam... Portanto, independente do que é ou deixa de ser o artista (como pessoa), o que vale é o que ele é capaz de produzir. E muitas obras, só com o tempo serão compreendidas.

Arthur Rimbaud ("descoberto" e valorizado apenas depois de morto) que o diga: "Enfant, que fais-tu sur la terre? /  – J'attends, j'attends, j'attends!..." ("Filho, que fazes na Terra? / – Eu espero, espero, espero!..." – Em tradução livre.) 

Levei muito, muito, muito tempo para me reconhecer/assumir como um criador. Foi extremamente difícil e doloroso me libertar dessas vozes: "Um vagabundo, é isso que você quer ser? Por que não arranja um trabalho decente? Vai acabar nas ruas, como um mendigo..."

Até hoje, de vez em quando, elas ecoam na minha mente, fazendo com que eu me sinta culpado por ter esse dom e, por isso, passar a vida inteira nadando contra tudo e todos. E pior: quase sempre vivendo das sobras.


Nenhum comentário:

Postar um comentário